terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A sociedade tornou-me lésbica?

Não é novo que o acesso à cultura desde a antiguidade privilegiou, fomentou e até condicionou esse ingresso essencialmente a um género, o masculino, sendo isso resultante de uma proeminência historicamente comprovada. Era a consequência natural de um estado político-social onde a mulher não tinha os mesmos direitos que os homens e as questões de igualdade não eram sequer abordadas nem questionadas. Não sendo a mulher munida de ferramentas para o pensamento crítico que a ajudassem a refletir a sua condição, seria natural uma assunção por imperatividade social que a fizesse aceitar a sua postura de inferioridade na sociedade, na política, na religião – cargo de elevada importância social para a época - e consequentemente na cultura. Por esse motivo, os cânones literários do passado (pré séc. XX) estão repletos de nomes masculinos. Os tempos mudaram e partes que mais cedo se tornaram progressistas – EUA – tiveram logo no início do séc. XX uma viragem na forma de encarar o pensamento feminino como tão relevante na história do pensamento como qualquer outro, apelando a uma paridade e a uma não discriminação baseada no género. O estado de lei protegeu e incentivou essa igualdade. Contudo, o estado de lei nunca conseguiu interferir por completo na perceção coletiva e social, naquilo a que vulgarmente designamos por ‘mentalidade’. A liberalização sexual dos finais dos anos 60 e 70 americanos tentou quebrar os tabus sexuais inerentes à condição feminina, desafiando códigos tradicionais de pensamento, seguindo os escritos das questões psico-sexuais levantadas primeiramente por conceções Freudianas.

Até aqui tudo parecia estar a correr bem até que um dos maiores twists da forma de hegemonia intelectual sobre as mulheres adveio previsivelmente da exploração do grande capital, exacerbando o conceito de liberalização e utilizando-o de uma forma reversa e perversa. Foi quando as mulheres se começaram a aperceber que a sua liberalização sexual conduziu, inevitavelmente, a uma produção de parques de diversões para homens. Mais do que os media ou o marketing, o sexismo institucionalizou-se nas interações diárias ao ponto do piropo que claramente nos reduz permanentemente a um objeto sexual passar a ser unanimemente aceite como elogio. 2011 foi o ano do Slut Walk, mais uma vez um alerta para as subtilezas sexistas da nossa realidade.


Como consequência, a mulher passou a ter uma forma de opressão intelectual que se passou a basear nos aspetos da relevância daquilo que é. Quando a pressão do status passou a enfatizar o capital em vez do conhecimento e o aspeto em vez do intelecto. Aqui podem dizer que sou tendenciosa, não é como se a sociedade do consumo e da superficialidade não atingisse ambos os sexos, não é como se no fundo tentasse vender tudo através de uma incitação primária da líbido, claro que sim!, mas, no mundo ocidental, este marketing opressivo passou a destacar claramente com mais incidência um sexo do que outro. Os homens têm respostas muito mais pró-ativas em sua defesa. Convenhamos, um homem nu é uma coisa que associamos à comédia, uma mulher nua tem um carater sexual imediato no imaginário coletivo, o que é interessante é que é no imaginário coletivo de ambos os sexos. Chegamos ao debate daquilo que é intrínseco à natureza humano e àquilo que é no fundo social. A esquerda sempre defendeu o social como mais relevante, a direita sempre teve tendência para defender condições pré-determinadas no humano por via genética. Se acreditar mais na primeira hipótese, na qual acredito, será caso para dizer: a sociedade tornou-me lésbica? O mote para este texto surgiu-me a ver o videoclip do LMFAO, o gajo que é sexy e sabe disso.

A pressão visual a que o homem é sujeito – forte, musculado, com roupa reveladora – é facilmente refutado com respostas pró-ativas que o diminuem, o tornam ridículo, o tornam ‘gay’, ou seja, desincentivam-no entre os seus - de uma forma abusiva, é por isso que os filmes realmente viris têm sempre um comentário pouco elegante sobre uma mulher qualquer que for a passar – (no homo dos lonely island! boa sátira que reflete a minha ideia) pôr de fora a ambiguidade homossexual, repulsada entre eles. O problema acaba não por ser o facto de se protegerem, mas o facto de atingirem por danos colaterais toda uma perceção sobre o outro género. Protegem-se e unem-se com medo da opressão a que isso os sujeita. Todo este texto tem, contudo, uma aplicação muito mais concreta e atual ou, pelo menos, é a esse o ponto onde quero chegar. Estudos sobre as mulheres nas tecnologias da informação começam a surgir entre os meandros teóricos da antropologia e da sociologia. Livros como Gender and Information Technology: Moving Beyond Access to Co-Create Global Partnership de Hershey que usa a teoria da transformação cultural de Riane Eisler. Pessoas informadas e sem preconceitos como base tendem a fazer tábua rasa a qualquer preconceção que surge na interação com o outro.

Contudo, a crescente influência cultural americana tem trazido muito do seu hype em formato de classificação estereotipada e sexismo que não estavam na raiz de muitos países que acabam por integrá-la. O universo geek é um universo de essencial predominância masculina, mas seria uma predominância de elite e, logo, teria menos em conta as distinções de opressão de género do que qualquer outro movimento progressista e de vanguardismo tecnológico. Inicialmente, assim o era, contudo a crescente opressão psicológica ligada aos movimentos de exclusão da ameaça do impopular começaram a minar estes últimos panteões do pensamento despreconceituoso. Tirado por miúdos, a cultura douchebag que inicialmente se oponha à cultura geek começou a ganhar terreno. A decadência dos padrões de consumo de séries e de cinema é disso um sinal claro. Como é que é suposto uma mulher conviver bem com séries como Entourage, Nip/tuck, filmes como The Hangover ou – indo mais mais longe – séries como ‘How I met your mother’. E eu sei que o machismo é algo de presente nas mulheres, já expliquei, a sociedade tornou-nos progressivamente em lésbicas, por isso, se acham que as coisas são tão simples como me darem uma lista das pessoas do sexo feminino que conhecem que gostam destas séries, isso a mim não me diz nada. O homossexual que não se assume e vai a terapias para se curar, tem assim uma atitude preconceituosa para com o seu género, a mulher que gosta de assumir com subserviência o seu papel de objeto é uma mulher sexista ,contra o seu género. Se as coisas fossem tão simples como – tenho uma condição, logo tenho que lutar por ela - muitos dos problemas estariam, efetivamente, resolvidos. Se Portugal se tentasse defender mais a si e aos seus interesses teríamos muito menos do que a maioria dos eleitores a votarem em políticas que apenas têm o objetivo de nos colocar numa situação de poder económico gradualmente inferior. E será que é o efeito de espelho que nos vai ajudar a ultrapassar as diferenças? Mais Samanthas de Sex and the city, Casanovas femininos para que o mundo ganhe um natural equilíbrio em que, desapontados com o amor, nos tornamos meros predadores sexuais e ser sociopata deixa de ser uma patologia clínica grave para passar a ser um objetivo? Tudo isto para dizer que se vão ser parolos porque se deixaram dominar por aqueles que vos costumavam sujeitar a uma série de condicionamentos de aceitação em grupos com os quais nunca se identificaram, tudo bem, o ser humano é complexo e deve ter a abertura suficiente para se explorar, se no fundo temos uma vontade inconsciente de recorrer ao conflito. Mas algo que me chateia são revistas, programas de televisão, blogs, websites sobre cultura e tecnologia onde o sexo feminino é permanentemente inferiorizado, relegado para o campo da objetificação.

Chateia-me porque chega a ser tão difícil entrar no boys club que a ostracização tem um caráter essencialmente de género. Eu não posso mudar a minha condição. Os valores humanistas e da amizade deveriam superar essa barreira de misoginia inconsciente que sinto em muitas das minhas interações com grupos de elites intelectuais com as quais contacto - tecnológicas, literárias - e torna-se difícil ver a aceitação generalizada de um meio que inicialmente tinha padrões, para a passagem a um grupo que cede, gradualmente, a valores sexistas dominantes e não só sexistas, ideológicos também, presentes nas ambições gerais ligadas à cultura do capital e o do consumo, ou a apologia do capitalismo em detrimento da cultura e da equidade social foi alguma vez proveniente de meios informados? 

2 comentários:

f. disse...

. linha 26 - "alterta" - alerta
. linha 78 - "socipata" - sociopata

Sara F. Costa disse...

Corrigido e obrigada pela revisão, caro anónimo f.