sábado, 22 de fevereiro de 2014

Os Chineses que investem em Portugal e o racismo português que investe em chatear-me

O que há de realmente polémico em relação a esta nova legislação sugerida por Paulo Portas no início do ano transato? Se existe efetivamente alguma dúvida ética no que concerne a este formato que conjuga investimento com um pacote de acesso livre ao espaço Schengen ela pode começar pelo visto de residência e acabar no questionamento dos princípios da república, pois existe a possibilidade de obtenção de um passaporte português mediante determinados requisitos – como o linguístico. O que é interessante em toda a mística dos vistos dourados é que ela advém em grande parte devido à ignorância que existe em relação à legislação em geral. Não enveredando exclusivamente por uma lógica histórica, dando a conhecer os países por este mundo a fora que adotaram legislações dentro do mesmo domínio,  renego-me à perspetiva conceptual. Salvaguardando o facto de Paulo Portas não ter feito mais do que copiar o que alguém lhe recomendou.

Conceptualmente, a aquisição de um bem imobiliário conduz necessariamente a uma noção de residência. Quando essa noção de residência embate em políticas nacionais e transnacionais de circunscrição de um cidadão à sua área soberana, a liberdade individual do sujeito que, a) deve ter liberdade de escolha em relação ao seu país de residência e b) tem liberdade de investimento ativo e de aquisição de produtos em qualquer parte do globo de acordo com as leis do comércio internacional, é de liberdade que estamos a falar. Emigrar não é fácil mas é muitas vezes desejável. Na atualidade, quantos portugueses sonham em emigrar para um país menos corrupto, um país onde existe uma conservação do estado social, onde o que se consegue amealhar pode vir a constituir património ou nem chegando a isso, onde trabalhar sirva, em último caso, para a sua sustentação. A vontade de partir para uma realidade mais aliciante pode ter várias origens, sendo que a ascensão social se afigura como motivo primário numa análise superficial. Sim, é difícil partir quando a instabilidade financeira se impõe. Difícil é também partir quando as restrições políticas assim o impedem.

Suponhamos que um português de classe média decide mover-se para outra parte do mundo para investir num futuro mais lucrativo. É justo. Não vou negar a vertente capitalista deste enquadramento, vivemos em liberdade de movimento mas também de capital. Para quem toma a democracia por garantida é difícil pôr-se no lugar daqueles a quem a liberdade de expressão ainda não foi dada, aqueles que ainda vivem ao albergue de estados opressores, que nascem debaixo de céus menos abertos. Não escolhemos onde nascemos e não escolhemos a que leis do poder nos sujeitamos.

A sensibilidade às discrepâncias sociais deveria ser uma aptidão inata ao ser que olha em seu redor. Mas quando falamos em vistos gold para apontar problemáticas marxistas estamos a misturar alhos com bugalhos. Acredito na emancipação através do capital, foi a única que até agora promoveu o bem-estar social assim como o desenvolvimento tecnológico e científico desta espécie em permanente conflito e evolução que é o ser humano. Há perspetivas ideológicas específicas para esta matéria.
Quando permitimos a um cidadão chinês que circule no espaço Schengen seja a título pessoal, seja a nível comercial livremente, estamos a conferir liberdade, a mesma que nós enquanto filhos da república portuguesa temos. Estamos a partilhar valores que a custo conquistámos. E perguntamo-nos: então, devemos dar asilo político a todas as populações de todos os regimes totalitários do mundo? Seria simples, não seria? É teoricamente impossível em qualquer cálculo, não nos divaguemos em realidades imaginárias. Com 500.000 euros cidadãos fora da UE podem obter liberdade de circulação no espaço Schengen. Fomenta a indústria imobiliária, promove a integração transnacional, fortalece laços diplomáticos. Infelizmente, para nós é muito dinheiro pelo que nos esforçamos por captar este investimento de forma extraordinária – estudamos mercados, construímos produto, formamos para o acolhimento de uma captação de investimento de fontes com as quais ainda lidamos pouco – como o é o investimento chinês.  Os atritos que surgem no seio destes cenários de mudança são precisamente as forças que muitas vezes são obstáculos à mudança. Visões simplistas como a de se comparar nos mesmos termos um imigrante de um pequeno negócio local com o imigrante que aproveita determinado enquadramento legal para certos movimentos financeiros, aliás, ambos estão a aproveitar os enquadramentos legais de um país dispõe. Sou uma mulher de esquerda porque tendo a concordar com políticas de integração social, mais do que com políticas da acumulação anárquica e descontextualizada do capital mas jamais assumiria a perspetiva fundamentalista que subentende que um rico é mau na sua essência. Não há maldade na individualidade individual e não há certamente maldade na emancipação, na imersão de um estado de subordinação ao poder para um estado de relativo controlo da sua liberdade individual.

Noutro ponto, tem que se parar com a tese de que é a crise que leva à adoção desta legislação. Quando o Canadá começou a impor restrições mais apertadas e prazos de candidatura à aquisição imobiliária com vantagens de residência foi por imperatividade. O Canadá não estava em crise.


A China como face do fim da hegemonia ocidental
Não estamos historicamente habituados a uma supremacia outra que não a do mundo ocidental civilizado. Quando uma etnia que pensamos nunca ter imperado se começa a determinar como economicamente superior existe medo perante o desconhecido. É errado pensar que a China não dominou já no passado o balanço financeiro mundial, a Guerra do Ópio surge no seguimento desse feito – século XVIII.

Argumentos recorrentes:

“Temos problemas com a ditadura” - compreendo – não compreendo como é que conferindo a cidadania portuguesa isso surge como argumento no caso dos vistos gold. O asilo político já enquadra esta noção.

“São culturalmente diferentes” – se estão a ler este blog e não entendem porque é que ser culturalmente diferente não deve ser um argumento contra a integração de alguém numa sociedade, não aconselho a continuação da leitura.

“Vão invadir-nos” – terei que ser sarcástica e dizer, em nome da industria imobiliária “quem nos dera!”. Não estamos na situação privilegiada em que esteve o Canadá quando começou com a legislação até a apertar e circunscrever por problemas de sobrepopulação ou de ameaça soberana. Preocupam-se com a problemática soberana, esta pode ser posta em causa quando serviços públicos essenciais são postos em causa. EDP e REN são neste caso mais conflituosas. Se Portugal tivesse uma promoção mais ativa no estrangeiro e fosse uma marca forte, ou seja, se fossemos a nível global um sítio extremamente solicitado enquanto primeira escolha, neste momento não teríamos em termos de captação de investimento as problemáticas no setor imobiliário com que todos os dias profissionais da imobiliária se deparam – o monopólio da captação de investidores por parte de duas ou três grandes corporações que obrigam os locais a repensarem as suas estratégias de venda com inflações e medidas que se sabem danosas a médio prazo para a própria industria. Há que perceber que nenhum mercado se quer autodestruir e que as opções estratégicas tomadas são feitas tendo em conta a gestão do “worst-case scenario”.

Com este artigo quero demonstrar que quem se sente estranho e apreensivo ao observar que muitos dos compradores de imobiliário de luxo em Portugal desde Março de 2013 são chineses é porque tem que lidar com problemáticas xenófoba e racistas no seu âmago. Acusar investidores estrangeiros de criminosos aleatoriamente não me parece um bom princípio. Não, ninguém atribui vistos de permanência a pessoas com registo criminal e depois dos três casos nas cinco centenas de vistos atribuídos acredito que as averiguações e precauções se tornaram ainda mais vigilantes.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sem zeros à esquerda




Mais falado do que o próprio Livre, o Manifesto 3D tentou unir as forças políticas à esquerda. (BE, Livre, Renovação Comunista e Manifesto 3D) Parece-me que se tratou, de acordo com o tenho lido do Daniel Oliveira, uma tentativa que se fazia na sequência alargada da observação de outros movimentos como o Syriza na Grécia sob o realçou que o partido de Alexis Tsipras “multiplicou por seis (tinha 4,6%) a percentagem do seu partido, em apenas três anos”. 

A não convergência das forças da esquerda esteve assim em foco – não foi, certamente, surpreendente. Acredito mesmo que não foi um mecanismo inocente para realçar as falhas dos sistemas partidários à esquerda com uma intenção muito clara de tocar nas feridas organizacionais do BE. Com a demissão de Ana Drago da Comissão Política do BE realça-se o sentimento de que esta esquerda já não é mais a esquerda da Política XXI e de que os vários fragmentos intrapartidários que sempre preocuparam a opinião pública retomam a ordem do dia. As pessoas estão mais curiosas com o que se passa com o Bloco e isso deve-se também ao surgimento do 3D ou do recém-criado Livre. Fica-se com a sensação de que os clichés contra os quais sempre se lutou - os rótulos de “partido de protesto” e não “partido da ação” – são afinal realidades que a Plataforma Socialismo de Louçã e Semedo fazem viver na realidade política das forças de oposição. Espera-se o prometido novo sujeito político da esquerda. Está ele numa orgânica renovada como é a do partido de Rui Tavares?