segunda-feira, 25 de julho de 2011

Entrevista para o Labor

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Poesia de Sara Costa denuncia “lado negro” da sociedade

Jovem cucujanense vence Prémio Literário João da Silva Correia, pela segunda vez. “O Sono Extenso” dirige-se à juventude dos nossos dias
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A crítica de “um certo lado negro”, inerente ao viver dos nossos dias, valeu a Sara Costa a edição deste ano do Prémio Literário João da Silva Correia. Com a obra poética “O Sono Extenso”, arrebatou o galardão pela segunda vez, após uma primeira vitória em 2007
O júri realçou a “força original, interpelante e perturbadora” dos seus versos, que fazem com que o leitor mergulhe “na surpresa de uma desvairada criação de existências vivas, intensas e de uma desconcertante atualidade”.
A poeta prefere salientar que este produto da sua insónia criadora pretende apresentar o seu lado “mais irreverente e mais subversivo”. Mais de acordo com a Sara de hoje, que acabou de completar 24 anos, e por contraponto à jovenzinha que começou a debitar a sua criatividade poética com apenas 16 anos. “Está muito ligado a uma afirmação daquilo que sou “, assume.
Em “O Sono Extenso”, interpela a juventude, que apelida de “geração muito peculiar” e considera “muito minada por uma certa cultura do consumismo”. Explora as incoerências do viver de hoje em dia, que, em especial, marcam os jovens, por lhes criarem expectativas “que, depois, não se cumprem”.
Os versos da obra premiada são um produto de dois anos de trabalho e falam da “insatisfação” e da “frustração” provocadas por um “mundo” de aparentes facilidades, no qual “a felicidade” parece ao alcance da mão, mas onde nos podemos perder. “Sinto que não temos valores, que não percebemos a diferença entre o bem e o mal, entre o que está certo e o que está errado”, sublinha Sara Costa.
Contrapõe ao “olhar mais cínico” deste livro o carácter “intimista” de “Uma Devastação Inteligente”, que, em 2007, também lhe permitiu triunfar no Prémio João da Silva Correia. Então, “explorava a adolescência, na descoberta de certas emoções e de certos sentidos”, recorda.
Fazendo a ponte, e apesar da evolução pessoal, que necessariamente levou a uma evolução poética, considera que quem conhece os seus livros anteriores, reconhecerá em “O Sono Extenso” os traços da poeta: “um certo estilo – a forma como uso as metáforas, as sinestesias e o lado imagético da poesia”.

Escrever é viver

Com a vitória, Sara Costa garante, também, a publicação da obra. Que, como salienta, é um dos motivos que torna “interessante” a participação em concursos e prémios literários.
Refira-se, contudo, que a sua forma de criar e de viver a poesia não implicam uma produção com data marcada, com o fim exclusivo de editar. “Tenho momentos em que tenho mais necessidade de escrever”, diz, assinalando que isso “tem um bocadinho a ver com o aspeto terapêutico da escrita e da arte em geral”.
Como aconteceu com o processo de criação do livro galardoado, regra geral, as ideias vão surgindo, assim como o desejo de as passar a poesia e ... a obra vai tomando forma.
Dos seus primórdios enquanto autora publicada, recorda com especial carinho os tempos em que pôde apresentar os seus poemas na página “DN Jovem” do Diário de Notícias, entre 2004 e 2006.
“Tenho pena que tenha acabado”, confessa, recordando que essa divulgação no periódico nacional lhe dava a sensação de ter “um feed-back permanente” com os leitores que, como acentua, “é muito bom para estimular a escrita”.
Sara Costa enfatiza que o DN Jovem tinha, também, o mérito de desmistificar alguns considerandos sobre a poesia, nomeadamente a que afirma que apenas “uma certa maturidade” a pode fazer nascer. “Acredito que depende mais da maturidade artística das pessoas ”, considera. Vinca que qualquer idade é boa para se passar sensibilidades e sentimentos.
Natural de Cucujães, tem, no entanto, uma vivência escolar, social e cultural muito ligada a S. João da Madeira. Formada em línguas e culturas orientais, orientou a sua vida profissional para o ensino. Diga-se, a propósito, que a sua estada na China, para aprender mandarim e também japonês, lhe insuflou experiências e influências que vão sendo expressas no seu trabalho poético.
E a sua veia artística tem tido deambulações por outras expressões, desde logo pela prosa, com abordagens ao conto, mas também pelo teatro.
Essencial é – e será sempre - criar e comunicar, sem que tenha de assumir a arte como meio de vida. “Mas quanto mais tempo tiver para me dedicar à poesia, melhor!”, declara.

Alberto O. Silva

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O que é "O sono extenso"


Não nos fica bem falarmos de nós mesmos e eu concordo. Não nos fica bem sobretudo realçar aquilo de que gostamos em nós e, no entanto, todos temos - ou se não temos deveríamos claramente ter - uma capacidade mais ou menos introspectiva de nos avaliar, qualificar e caracterizar. No caso da arte e da relação que o artista mantém com ela, essa qualidade auto-analítica dever ser uma permanente. Afinal, o artista é um ser obcecado consigo mesmo e a arte provavelmente mais universal será quanto mais pessoal for. Não há nada de necessariamente pejorativo neste narcisismo de dissecação, algo laboratorial, de exploração permanente dos recursos que provêm do simples facto de se existir: será antes um processo mais perturbador para o autor que não se consegue libertar dessa perseguição a si próprio.
Posta esta introdução mais ou menos justificativa de qualquer coisa que eu não teria que justificar, quando um jornalista pergunta vagamente ‘então diga lá porque é que escreve’ ou ‘o que é que a inspirou para escrever este livro’ eu apercebo-me de que não poderia haver forma mais eficaz de me fazer ter um discurso disperso. Não há formas simples de organizar as ideias. Há claramente uma continuidade, uma identificação de um estilo sempre imagético, sempre sensorial, delineador de espaços que só podem existir na palavra. É todo um universo concreto demarcado no irreal, um espaço fixo na entropia. Chegando a esse espaço a minha ideia é decorá-lo com mensagens que aos poucos se tornam mais evidentes. Contudo, essa evidência não pode cair no erro de ser literal e eu sempre fui uma pessoa prudente e por isso prefiro a pouca clareza ao estado apaticamente redutor e desinteressante. Poderei dizer que este livro se desloca para uma tendência discursiva mais controlada. Exemplos disso são as narrativas e as temáticas recorrentes, enfatizando a simbologia da insónia, explícita no título. Li alguns comentários ao livro que referem ‘atualidade’. É atual na medida em que é um livro de afirmações: de género, de geração e até de valores políticos. Analisa o social e o pessoal como campo de ilusão e expectativas e o caos que advém da frustração e a ausência de directrizes éticas para o qual nos transporta um ideal fictício de dinâmica de grupo versus dinâmica individual, onde a imperatividade social e os desejos pessoais se fundem. A forma como se lida com todos os elementos externos que se nos interiorizam até nos deixar numa desordem ideológica constante. Esta é uma geração do caos, a dita era da informação onde a imensa escolha nos leva a questionar o porquê da persistente padronização. Não é um ensaio, não é livro com respostas porque apenas questiona de uma maneira em que não se mostra exterior a todas as problemáticas mas antes cúmplice delas. É uma viagem, é um sonho que se tem acordado quando não se conseguiu sonhar de noite, é um sono extenso do qual só despertamos no último poema.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Coisas que se põe ao lixo só para ganhar espaço



Interessante como esta onda de culpabilização das agências de rating até parece desculpabilizar o facto dos portugueses terem votado massivamente em políticas sem nenhuma posição face à postura europeia que até agora nada tem feito contra a vulnerabilidade de alguns países à especulação. O défice português é semelhante ou inferior a outros países da Europa mas não é avaliado com os mesmos critérios, ou é culpada a postura ideológica ou é culpada a perspectiva histórica (já partilhei este artigo quando saiu, mas aqui fica novamente).
A especulação das agências e do mercado em geral é assim praticamente arbitrária, o que é curioso é que já o é há algum tempo agora e, no entanto, é tão conveniente ao governo e seus apoiantes fazerem-se passar por vitimizados pelo estrangeiro de forma a evitar aquilo que é o essencial: a discussão não sobre o que é que uma série de empresas privadas andam a fazer para obter lucros de forma fraudulenta (o que é condenável mas não fundamental para nós neste momento) mas sim fazer pressão política para que uma postura seja tomada face à Europa, iniciativa essa que teria que se iniciar, desde já, pela posição do recém-eleito governo. Contudo, a realidade é que o PSD e a pseudo-coligação CDS, nunca ocultaram a realidade das suas posições e políticas e agora que o contacto com a realidade é mais evidente - meramente devido ao aproveitamento político destes partidos que eleva uma ênfase mediática - é que os portugueses decidem estar muito frustrados em relação a algo que se vem a passar desde 2008 e mais particularmente desde a entrada do FMI no país. Foi o que aconteceu depois de um bode expiatório - Sócrates - ter saído de cena.

Isto apela ao clássico da caricatura portuguesa, a figura do Zé Povinho, definida pelo próprio Bordalo Pinheiro da seguinte forma
"O Zé Povinho olha para um lado e para o outro e... fica como sempre... na mesma. Ele é paciente, crédulo, submisso, humilde, manso, apático, indiferente, abúlico, céptico, desconfiado, descrente e solitário, também não deixa por isso de nos aparecer, em constante contradição consigo mesmo, simultaneamente capaz de se mostrar incrédulo, revoltado, resmungão, insolente, furioso, sensível, compassivo, arisco, activo, solidário, convivente..."

É extraordinária a falta de capacidade de análise aquando da vontade de mudança, ou talvez ela simplesmente não exista na realidade: existe apenas como mera expressão da nossa identidade mais ou menos pré-definida, somos os revoltados preguiçosos, queremos ter com que nos entreter na nossa demanda por uma posição de ruptura mas que acabe por se revelar afinal consensual dentro dos nossos grupos. É este o paradoxo que conduz à mera inércia e que nos deixa, afinal de contas, sempre na mesma.