quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Pensamento

Fui parar à educação não formal de para-quedas. Aliás, fui parar à educação de para-quedas. Quando dei por mim, estava do outro lado da sala. Os papéis invertem-se e o mundo que pensamos conhecer, passa a ser algo de completamente novo. Não é que não seja uma realidade que deixo de encarar como natural, é quando automaticamente nos propomos a fazer aquilo que sempre achámos que deveria ser feito e é aí que surge verdadeiramente o desafio, confrontamo-nos com a condição de preceptor nos mais variados aspetos: éticos, formais, cívicos e, obviamente, pedagógicos. Os jovens professores tendem a seguir os modelos que tiveram. O que é natural. Toda a construção é um conjunto de influências e uma aula é uma construção. Mas não vou entrar por discussões pedagógicas, não é sequer a minha praia, há muito escrito sobre a teoria da pedagogia, andragogia, entre outros. Muitos métodos, muitas técnicas, aquilo que qualquer pessoa aborda quando tira um CAP – mas que infelizmente pouco ou nada tenta em termos de aplicação experimental do que aprende.



Mas muitas vezes senti que o facto de ter ido parar ao ensino sem o ter propriamente planeado foi uma espécie de provocação do destino que me quis pôr à prova, sendo eu uma aluna tão crítica e, por vezes, severa e intolerantemente crítica, foi como se me dissesse “então e agora, na hora da verdade, achas que vais realmente fazer melhor? Vais marcar a diferença?”. A aprendizagem do formador é também uma forma de aprendizagem. Aprender a ensinar passa por uma aprendizagem. Aprendi numa formação de educação não formal que Kolb fala do Experiential Learning. Da experiência concreta passa-se à observação e reflexão, formam-se conceitos abstratos e isso conduz naturalmente ao teste de situações novas. Ensinar passa basicamente por isto. Por uma aprendizagem constante daquilo que é o ensino daquilo que é o método. Acredito que a ética, as formalidades são algo que se vai estabelecendo, mas a forma de chegar aos alunos com eficiência é um processo que de tão complexo se torna um permanente study case. Uma das coisas mais relevantes que aprendi num treino sobre educação não formal foi que o Mentor/Professor/Perceptor/Trainee (como lhe chamam internacionalmente quando se referem a educação não formal) é alguém que terá que conduzir um manancial de condições psicológicas e conseguir lidar com elas. Isto é, o meu perfil – mais concreto, experimental ou então não, mais abstrato e conceptual – terá que ser equilibrado com os inúmeros universos psicológicos que terei à minha frente.



Mas o meu objetivo com este texto é questionar, o que é a formação? O que é a qualificação, o que é conhecimento? Não foi em vão que comecei o texto com a expressão ‘educação não formal’. Em termos teóricos e políticos a educação não-formal é algo que é implementado através de políticas de apoio do estado ou de estados membros, como o caso de projetos apoiados pela União Europeia em secções que preveem um acesso livre ao conhecimento e à experiência multicultural de forma a promover o humanismo e a aproximação das pessoas. Tudo isto munindo as pessoas de saberes e conhecimentos não certificados. É educação não formal. Posso ter aprendido bastante sobre uma determinada área – normalmente humanística, política ou de outro caráter multicultural e social – mas ninguém me dá um diploma que seja academicamente válido. É um pequeno extra num currículo mas não é formalizado. Numa altura em que o debate sobre a Europa está na ordem do dia e em que mais do que nunca Portugal parece vitimizado pela sua pertença a este sistema que está neste momento a colapsar e a desviar-se completamente dos seus objetivos fundadores, estes apoios de privilégio ao multiculturismo, sensação de pertença a um universo global estão à beira da extinção. E porquê? Qual é o valor das ideias no mundo atual? Aceitamos que não passamos de produtores de bens e serviços. “Não são coisas práticas” diz alguém numa conversa de café e dizem muitos políticos à frente destes estados membros. Seria interessante que se conhecesse que foram estes programas em parcerias com os países árabes mediterrâneos com os quais temos parcerias que despoletaram, por exemplo, grande parte da consciência política que levou à primavera árabe na Tunísia. Se isto não é mudar o mundo pelo pensamento, então é o quê?



Acaba por haver esta necessidade de sistematização permanente, institucionalização permanente. Esta época acabou! Estamos na época do acesso facilitado ao conhecimento. Educação não formal? Estou a utilizar uma neste momento. Mais acessível ainda porque é de todo gratuito, é o acesso a uma biblioteca. A educação não formal passa por uma iniciativa coletiva mas também individual. A informação está aí, mais disponível do que nunca. Não deixamos de ser multados por um polícia por alegarmos não conhecer a lei e não podemos no mundo ocidental deixar de ser culpados pela nossa própria ignorância. Se não sabemos foi porque não quisemos saber. A maioria dos problemas sociais na história do mundo, adveio da ignorância.
Em Portugal, há muito esta tendência de sobrevalorizar graus, sobrevalorizar títulos. É como que uma forma de arrumar as coisas em caixas de uma forma simples, que todos possam perceber. Acredito na especialização, na qualificação científica e académica nos moldes clássicos mas acredito, essencialmente, numa incitação à curiosidade, incitação ao espírito crítico, à criatividade e à lógica racional no seu sentido mais filosófico. Sim, no sentido filosófico! Tenho ouvido tantas conversas de gabinete sobre a “pouca importância pragmática de certas disciplinas”. Claro que não vamos desviar cursos a cem porcento os objetivos tecnológicos de uma formação mas o valor das ideias é algo que não advém de nenhuma massificação do ensino. Uma professora numas jornadas de línguas aplicadas em que participei dizia “Ao fim dos vários doutoramentos, percebi que a minha capacidade profissional estava principalmente relacionada com o meu fascínio pelo ballet desde os 6 anos”. O pensamento, a reflexão conduzem-nos para a construção. Somos mais competentes quanto mais racionais, quanto mais conscientes somos da realidade que vivemos, quanto mais enquadramento teórico lhe damos. Não é por acaso que esta Professora que ouvi e tanto admirei numa palestra e com quem não tinha qualquer contacto, tal era o distanciamento que o respeito por ela me provocava, se veio a revelar minha colega de trabalho, meses mais tarde, pelas circunstâncias. Pelas circunstâncias mas há uma consequência natural da incitação ao pensamento, aqui ilustrada desta forma.



Depois há aquelas pessoas que acham que uma pessoa só se preocupa com uma condição social quando é miserável, são os defensores da inveja. Meus caros, não, não é por ter preocupações sociais que isso significa que eu pessoalmente vivo em condições menos privilegiadas dos que as vossas. Se repararem ao longo da história da humanidade e do estudo da sociologia, as principais revoluções sociais advieram dos filhos dos burgueses. Aqueles que tinham acesso ao conhecimento e que não suportavam as ideologias dos pais. Na minha vida pessoal posso estar feliz, na minha vida enquanto cidadã tenho um dever de velar pelo estado do mundo em geral e do meu espaço em particular. É um dever cívico, são os valores da democracia, são os valores do estado de lei que fomos conquistando ao longo de milénios. Isto não é pessimismo.
Depois são estas coisas que me levam a odiar discursos motivacionais baseados em formas ilusórias de perspetivar a realidade e que desprezam visceralmente o meio que os rodeia e chamam isso “ótica otimista” e que depois se revelam esquemas maquiavélicos que se aproveitam da ingenuidade dos arrivistas (coisas como a ACN do Donald Trump, entre outras coisas desse tipo). Não há otimismo nem pessimismo. Há uma avaliação analítica das circunstâncias e uma visão concreta de como podemos contribuir.
Não é preciso ter um grau académico ligado à política, nem às relações internacionais, nem à história nem ao cinema e, no entanto, posso elaborar o meu pensamento, posso expô-lo perante os factos que possuo, as deduções que faço, as ligações que construo, posso dissecar, membro a membro, todos os alicerces que compõe a minha forma de perspetivar o mundo. E isso é algo que nem todos os professores vão transmitir mas é o que vai estruturar a nossa realidade. Posto isto, a educação tem o papel que tem, social, estrutural mas o valor do pensamento e das ideias vale por si só, não requer um prestígio devidamente institucionalizado por um título. E um título sem conteúdos, é precisamente isso, um título, e qualquer cidadão tem todo o direito de pôr em causa o que esse título nos tenta transmitir como verdade única.

1 comentário:

Anónimo disse...

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