quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Midnight in Paris / Meia noite em Paris


Este filme encara de frente algo que tem vindo a ser visível em Woody Allen, a noção de nostalgia como “ denial of the painful present”. Owen Wilson foi uma escolha pouco previsível e na realidade quando não temos o Woody Allen nos papéis relevantes, como os de um escritor a questionar a atual direção da sua vida, temos um jovem a falar e a gesticular como WA e é como ver a mente de WA no corpo de outra pessoa, mas enfim, é uma técnica de direção de atores – fazendo com que convirjam para um só, ao longo da cinematografia do realizador. Quanto menos carater próprio tiver o ator, mais isto se nota. Mas os filmes do WA dão-me sempre a sensação de laboratórios de ideias e é isso que os torna sempre peculiares e apaixonantes – ou é só a minha perspetiva lunática de estimação? Seja como for, este filme pega num tema que de tão evidentemente bom, nunca tinha sido tocado: o gossip literário americano dos anos 20. Numa época em que sair à noite e embebedar-se se encontra vulgarizado por uma cultura r&b acéfala emoldurada por luxo bacoco, frivolidade e leviandade sexual, alguém se pergunta o que aconteceu à cultura boémia literária, às conversas intelectuais de café, à inspiração noctívaga? Pois bem, perguntemos às pessoas desse tempo. Recuemos à época de paixão do casal Fitzgerald e aos seus conflitos com Hemingway, ao Dali e ao Picasso ou recuemos antes a Faulkner e a Gauguin? Pronto, esta é basicamente a conclusão do filme, de que a sensação de nostalgia é só uma forma de abstração da realidade, não divergindo propriamente da mera criação de um universo alternativo, tal como os surrealistas o designavam. 
Eu acho interessante porque a nossa música também é toda revivalista oitentista e a nossa moda possui um futuro que era o futuro de antigamente. Acho que houve períodos mais otimistas mas não é o caso do nosso, já que a nostalgia de algo que não se viveu nunca esteve tão presente. Não é de admirar já que nos parecemos aproximar de um colapso a todos os níveis – ambiental, económico, político. WA escolheu corporizar personalidades de uma américa intelectual que pouca tradição literária teve antes disso. Os episódios pessoais acabaram por ser poucos, as peripécias entre o casal Fitzgerald davam para mais uma dúzia de filmes (é o que dá juntar dois escritores, Ted Hughes e Sylvia Plath deviam ter aprendido a lição), mas sou uma grande admiradora da Zelda Fitzgerald, apesar do marido se ter tornado mais conhecido e apesar da loucura patológica posteriormente diagnosticada. Na realidade, ela nunca se conseguiu libertar dos demónios interiores que lhe levaram a perder o rumo na busca do seu próprio lugar no universo artístico. Mas ela já na altura arranjava conflitos feministas com o Hemingway, quando ainda parece tabu dizer que Hemingway tem laivos de misoginia na sua obra. São os tabus dos génios literários, sempre inquestionáveis. Mas esse aspeto ficou mais ou menos demarcado no filme, o que apreciei – embora WA tenha insinuado que Hemingway tinha no fundo um fraquinho por ela? Típico de intelectuais misóginos sentirem-se atraídos pelas mulheres de personalidade forte, deve lembrar-lhes os conflitos internos que tiveram com as próprias mães, ou algo do género, não sei, não sou Freud – ainda que possa escrever alguma coisa sobre o tema. As perspetivas de Hemingway sobre a competitividade inerente ao artista (ao escritor em particular) foram também referidas no filme, embora não tenha ido muito longe nesta abordagem algo evidente da biografia de Hemingway - que de resto, era competitivo em tudo. Fica no ar se WA conseguiu a autorização para filmar em Paris por ter dado uns minutos de fama à mulher do Presidente – são raríssimas as autorizações de filmagens em Paris hoje em dia. Se é uma obra de arte, não sei, não senti a mensagem particularmente penetrante mas, como comecei este texto, considero estes filmes laboratórios de ideias e aprecio sempre filmes em que as personagens estão dentro de museus a falar de Monet ou Rodin com toda a propriedade e pedantismo, incorporando uma boa dose de requinte clássico. E é isso que ser quer, certo? Requinte clássico, como antigamente, como numa época que não é esta.