segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Primavera Árabe, Dois Anos Depois


O que acontece passado dois anos do início da Primavera Árabe? Algo ficou realmente diferente? Será que houve a transformação de paradigma que tantos de nós esperavam? Será que se pode falar em Excepcionalismo Árabe?
As teorias positivistas das RI levam-nos a crer que o que existia antigamente serve para compreender a realidade, mas isso não se aplica neste caso ao norte de África e Médio Oriente. Um dos principais motivos é o facto de não ter ainda havido a aprovação de novos textos constitucionais. Temos instituições representativas mas para já não podemos falar em transformação uma vez que corremos o risco de um retrocesso. Na chamada Primavera Árabe cada caso foi um caso, e a designação genérica que lhe aplicamos soa mais à expansão de um nacionalismo árabe do que àquilo que realmente foi: uma série de revoltas populares. Temos assim um conceito aglutinador que permite a identificação de um conjunto de processos de contestação, porém limita a compreensão dos casos e especificidades. Apesar de outros levantamentos dispersos (Marrocos, Líbano, Sudão), esta revolta teve uma incidência inquestionável na Tunísia, no Egito, na Líbia, no Iémen e na Síria.  Uma reflexão mais alargada deveria ser feita quanto às autocracias liberais que constituem a maior parte destes regimes.
O Médio Oriente está dominado por autocracias liberais e por liberais entenda-se economicamente seguidoras dos preceitos do Acordo de Washington de 89. São regimes onde existe um conjunto de fatores interdependentes - institucionais, ideológicos, assim como uma ecologia adaptável à repressão, controlo e abertura parcial.
Daniel Brumberg em "Islamists and Identity Politics in the Arab Spring" defende que a ideologia, a religião mas sobretudo o nacionalismo árabe, diminui a possibilidade de promoção de pensamento alternativo.


Uma noção muito enraizada de legitimidade e subserviência contida nos regimes islâmicos e um sentido de liderança descentralizado não contribuem para a diversidade de pensamentos. Questão vai da Mauritânia-Marrocos até ao espaço geográfico concebido como Médio Oriente - deparamo-nos com estados profundamente centralizados no seu limite, existindo ou não uma estrutura de estado, existe certamente uma centralização da estrutura social. Para além destes elementos, algo a ter em conta é a dimensão geoestratégica entre promoção da democratização e ao mesmo tempo apoio a ditaduras. Não tendo válvulas de escape, estes aspetos são difíceis de gerir - o que pode explicar o que faz sobreviver uma ditadura nesta zona durante 30 a 40 anos. Uma vez que a legitimidade e o poder provém de uma esfera religiosa, ela não está nos cidadãos. De acordo com o Corão, quando os cidadãos percebem que o líder não está a cumprir com as suas responsabilidades do ponto de vista dos preceitos do Islão, podem derrubar o líder: teremos aqui o enquadramento teórico que despoletou mimetismos depois do mártir Mohamed Bouazizi?


A grande diferença entre estados com recursos energéticos e estados sem eles, condiciona enormemente o aparelho externo, isto é, condiciona os seus apoios e refiro-me tanto a apoios de outros estados - Europa, EUA, China - como dos intervencionismos de organizações como a ONU.
A condicionalidade política traduz-se da seguinte forma: quanto mais positivo for o comportamento nas práticas de governação - maior o financiamento. O acordo de paz entre os EUA e o Egito liberta muito dinheiro para o Egito que vive do turismo, das matérias primas, e não tem recursos. O aparelho externo torna-se mais significativo e este apoio estratégico dos EUA sempre controlou os apoio a zonas tão americo-convenientes como Israel. A história das Revoluções Árabes veio pelo menos afetar positivamente esse relacionamento, mesmo que a mudança de paradigma não se possa considerar de todo. Por pressão externa foi criada uma narrativa de legitimação dos estados. 
A circulação a toda a luz da informação dos últimos vinte anos obriga as lideranças políticas a tomarem medidas preventivas em troca de apoio político ou financiamento. A internet e as redes sociais têm o seu papel neste panorama mas ainda não chegam a toda a gente - terá sido mais a criação da estação televisiva Al Jazeera a possibilitar o olhar para fora e a comparação entre modos de viver completamente discrepantes e essencialmente revoltosamente desiguais.



As vulnerabilidades dos regimes por riscos e tensões internas tem consequências imprevisíveis. O Desenvolvimento Humano Árabe indicava que a PA estava prestes a acontecer e são estes meios de comunicação que permitem a mimetização de comportamentos - a capacidade de contaminação das revoltas populares. 
Contudo, como as revoltas não tiveram motivações partidária há uma enorme dificuldade destes partidos políticos existentes assimilarem os mecanismos de contestação pois estes são atos altamente desorganizados. Isso é particularmente visível na Líbia. A revolução na Líbia não tinha qualquer carater associativo, nem do ponto de vista religioso e face a essa desorganização desmorona-se o ideal de qualquer revolta, que é transformá-la numa estrutura governativa.


As monarquias da Jordânia e Marrocos não são afetadas de forma tão brutal devido às suas ações preventivas - com alteração de leis, controlo dos mercados, permissão de entrada condicionada no sistema representativo, etc. No caso da Arábia Saudita e dos Países do Golfo e descontentamento socio-económico não se verifica já que os príncipes do petróleo mantêm a população controlada, o que não acontece na Tunísia ou no Egito, onde os níveis de contestação são elevadíssimos.
Permanece a questão, é a falta de liberalismo da Síria e Líbia faz com que o conflito continue? Se acreditarmos são que os pressuposto para existência de processos de democratização passam por desenvolvimento, classe média e cultura cívica, provavelmente encararemos essa tese da paz pelo comércio como viável, contudo tendo a questionar todos estes pressupostos, sobretudo os que ao liberalismo dizem respeito ainda que compreenda o argumento face à globalização da economia. De uma maneira ou de outra, não parece a mudança de paradigma se tenha feito sentir de uma maneira total nos países mediterrânicos mas a história continua. É aguardar que o tempo a dite. Mas a nossa expectativa de que estes regimes se tornassem democracias liberais ao modo ocidental foram expectativas erradas e que revelam fragilidades do nosso lado.

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