Ontem à tarde, o Colóquio de Outono era sobre as mutações do conto nas sociedades urbanas. Tendo este mote em mente podemos encontrar reflexões diversas. Quais são as particularidades do conto nas sociedades urbanas? Estamos a centrar-nos em temáticas ou em estilos de abordagem? O urbanismo reflecte-se nos conteúdos, nas personagens com estilos de vida distintos, numa concepção alterada de realização da existência ou, por exemplo, em diferentes percepções da moral?
Ou estamos a referir-nos a formatos vanguardistas da exposição do texto (lembram-se daquela onda da poesia concreta?) . Bom, aparentemente estava a falar-se de ambos mas relacionado com uma única ideia primordial: a noção do tempo. Ou da falta dele. Por isso essa tarde era essencialmente dedicada a um género pós-moderno designado de micronarrativa. À volta do género tentou discutir-se um pouco de tudo. Contudo, a discussão sobre esse género era também perfumada pela presença da ideia da tradição oral como algo comparável à noção de micronarrativa. Por isso juntaram-se contadores de histórias com escritores de micronarrativa. Participantes da revista Minguante, o autor Rui Manuel Amaral , o autor Luís Ene e contadores de histórias como David Heathfield ou Thomas Bakk foram alguns dos presentes.
Às micronarrativas, ou às Short Stories temos referências desde os clássicos ETA Hoffmann ou Gogol assim como Jorge Luís Borges. A nível de tradição anglo-saxónica nem se fala: Kipling, Faulkner, F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Hemingway...
O debate careceu de alguma definição teórica mais académica e científica. As micronarrativas não serão, certamente, apenas textos curtos – os autores muito aludiram ao facto de que o formato não lhe retira o brilhantismo ou a genialidade “a literatura não se mede ao metro”. Certamente e até aí ninguém o contrariou, Rui. Tal como a poesia ou o próprio humor: expor em menos tempo é sempre uma forma de recolher uma essência concentrada. Falou-se em urbanismo e em novas tecnologias e na forma como os escritores poderiam começar a compor literatura com um twitt – vou ver se começo a adicionar tais iluminados, os meus amigos no twitter não têm, por norma, o hábito de compor obras de arte pelo smartphone.
Mas, enfim, há algo de pertinente nesta mescla de referências: a noção de brevidade, a assunção de um conteúdo literário, artístico, reflexivo e criativo que pode ser condensada num género breve, numa cultura que precisa, necessariamente, de ser cada vez mais rápida. Eu não poderia ser mais solidária com as cogitações do colóquio: olhem só para o título do meu último trabalho! Agora, resta quebrar alguns pudores e algumas limitações. Um escritor não é menos escritor porque só escreve breves contos ou apenas poesia – quais são os limites da definição? É a micronarrativa poesia em prosa, já que a poesia também pode narrar e a micronarrativa nem tem necessariamente que narrar, ou pelo menos, não necessariamente pelas estruturas convencionais? Se a micronarrativa é uma forma de comunicação com os leitores que pode ser assimilada mais rapidamente, porque é que um autor não pode admitir, sem pudor de ser considerado – ó, um autor menor – que a própria concepção do texto literário se torna mais breve e mais imediata? Se a relação com a criação de um texto breve é uma relação quase hedonísta, de prazer momentâneo, de exorcização criativa fraccionária que não nos assombra constantemente num trabalho obsessivo como o é o da concepção de uma obra literária mais longa, então porque não assumir esta vertente?
Queremos sempre repensar as nossas tradições artísticas à luz das metamorfoses do meio mas há sempre esta incapacidade que é a de conseguir assumir apenas parcialmente as novas necessidades. E não é porque a relação do autor com a obra se torna mais imediata que a obra se desvaloriza e eu não ouvi ninguém no colóquio colocar as coisas nestes termos, mas infelizmente os convidados não foram capazes de ultrapassar este pudor que é o de que é possível estabelecer uma relação mais breve com a criação e que se alguém se atrever - Cruzes credo! - a não nos tratar por “escritores” por causa disso ou até mesmo a chamar de “literatura” o que eu fazemos, vamos lá ver, será que eu quero realmente saber? Pelos vistos, eles querem, afinal tem que se estar afeiçoado a rótulos tradicionais mesmo quando a ideia da concepção do género é inovar, e isso, sinceramente, parece-me paradoxal.
Mas, enfim, há algo de pertinente nesta mescla de referências: a noção de brevidade, a assunção de um conteúdo literário, artístico, reflexivo e criativo que pode ser condensada num género breve, numa cultura que precisa, necessariamente, de ser cada vez mais rápida. Eu não poderia ser mais solidária com as cogitações do colóquio: olhem só para o título do meu último trabalho! Agora, resta quebrar alguns pudores e algumas limitações. Um escritor não é menos escritor porque só escreve breves contos ou apenas poesia – quais são os limites da definição? É a micronarrativa poesia em prosa, já que a poesia também pode narrar e a micronarrativa nem tem necessariamente que narrar, ou pelo menos, não necessariamente pelas estruturas convencionais? Se a micronarrativa é uma forma de comunicação com os leitores que pode ser assimilada mais rapidamente, porque é que um autor não pode admitir, sem pudor de ser considerado – ó, um autor menor – que a própria concepção do texto literário se torna mais breve e mais imediata? Se a relação com a criação de um texto breve é uma relação quase hedonísta, de prazer momentâneo, de exorcização criativa fraccionária que não nos assombra constantemente num trabalho obsessivo como o é o da concepção de uma obra literária mais longa, então porque não assumir esta vertente?
Queremos sempre repensar as nossas tradições artísticas à luz das metamorfoses do meio mas há sempre esta incapacidade que é a de conseguir assumir apenas parcialmente as novas necessidades. E não é porque a relação do autor com a obra se torna mais imediata que a obra se desvaloriza e eu não ouvi ninguém no colóquio colocar as coisas nestes termos, mas infelizmente os convidados não foram capazes de ultrapassar este pudor que é o de que é possível estabelecer uma relação mais breve com a criação e que se alguém se atrever - Cruzes credo! - a não nos tratar por “escritores” por causa disso ou até mesmo a chamar de “literatura” o que eu fazemos, vamos lá ver, será que eu quero realmente saber? Pelos vistos, eles querem, afinal tem que se estar afeiçoado a rótulos tradicionais mesmo quando a ideia da concepção do género é inovar, e isso, sinceramente, parece-me paradoxal.
A micronarrativa não parece ser, contudo, um género que se fecha na sua definição pelo tamanho. Se a quisermos definir por oposição à ideia de metarrativa de Lyotard, quando reformula a condição do pós-modernismo. No dicionário de termos literários podemos ler: Para uma doença, a Ciência dirá que possui todas as respostas conhecidas (totalidade a que chamamos metanarrativa); se uma comunidade local possuir uma resposta simples para essa doença (unidade a que chamamos micronarrativa), não estaremos a pressupor que a verdade foi definitivamente alcançada. Lyotard defende a “incredulidade” nas metanarrativas (humanismo, iluminismo, modernismo, etc.,) como o fundamento do pensamento pós-moderno. (Jean-François Lyotard: A Condição Pós-Moderna (2ª ed., Lisboa, 1989); Id.: O Pós-Moderno Explicado às Crianças (Lisboa, 1987)).
Assim, na minha perspectiva, o valor real da micronarrativa reside no descontrolo do conhecimento, nas percepções fragmentárias do mundo, na continuidade da diversidade dos jogos de linguagem canalizadas num sentido oposto ao das metanarrativas, de acção convergida. A micronarrativa abre caminho ao pós-estruturalismo e à análise do caos. Gostaria de ter ouvido mais sobre isto e menos de "eu escrevo pouco mas... mas BEM, ouviram? Não sejam ignorantes, sou tão escritor como os outros".
Com esta minha posta de pescada sobre do rigor académico eu não defendo a necessidade de se conversar num colóquio como quem lê um ensaio da Helena Buescu mas, por outro lado, se o estilo descontraído de um orador ganha todo o meu respeito, a absoluta falta de rigor na escolha dos termos (nós não queremos pôr “palha” nos nossos textos) também faz com que o meu respeito lá se vá para debaixo de alguma cadeira sonolenta de auditório.
2 comentários:
Olá Sara,
não fui convidado como académico que não sou, mas como escritor, e eu mesmo fiquei confundido com tentar-se misturar escritores que usam formas breves com contadores de histórias. Não me revi no que escreveu quanto ao que os autores disseram, confesso, mas, seja como for, li-a com atenção.
Olá, este é um vídeo feito com parte do meu livro de micronarrativas Agonias Ilustradas:
http://www.youtube.com/watch?v=_rVwP6s3wCw
Enviar um comentário