quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A SEXTA GERAÇÃO 第六代


“Estamos mortos?”, “Não, isto é apenas o início.” São as últimas frases dos protagonistas de Shijie, traduzido significa “O Mundo”, o filme de Zhan Ke Jia (贾樟柯) que conta a história dos bastidores do World Theme Park em Beijing (http://www.beijingworldpark.com.cn/) um parque temático onde se podem visitar os monumentos mais populares de todo o mundo..sem sair de Pequim. O filme incide no sentimento de que visitar o mundo sem sair de Pequim deixa uma sensação amarga, sobretudo para os inúmeros trabalhadores daquele sítio que afinal, nunca foram a lugar algum. É assim que morrem os seguranças quando não conseguem mais de 200euros por mês e tentam por outras vias alimentar as famílias, é assim que se morre nas fábricas onde se trabalha por sobrevivência. Mas na realidade será sempre o início, o início da recuperação económica, o início da urbanização, o início.



Obviamente que são filmes de denúncia. A sexta geração é uma geração realista no sentido artístico do termo, no sentido de Courbet. Longe dos Estúdios Hengdian e dos orçamentos colossais com pequenos palácios de verão e cidades proibidas em pela província de Zhenjiang, a sexta geração é uma geração reflexiva sobre a condição humana e os desenvolvimentos políticos ao longo da história do país. Estão na realidade associados ao espírito do Neo-realismo Italiano no cinema pelo recurso a não-actores nos filmes, pelo improviso e pelo carácter dúbio na impressão da realidade no cinema. Sexta geração é sinónimo de cinema independente. Ainda que Li Yang (de “Mang Jing/Blind Saft” e “Mang Shan/Blind Mountain”) diga que “Não existe uma sexta geração” porque afinal não há uma oposição assim tão brutal àquela era a quinta geração. E é um facto.


Se olharmos para os trabalhos iniciais de Zhang Yimou “我的父亲母亲/Caminho para casa” ,“一个都不能少/Nem um a menos”, ou para “有话好好说/Keep Cool” encontramos o mesmo tipo de temáticas, o mesmo tipo de técnicas que eram usadas numa altura em que o seu cinema era essencialmente mais independente. Da mesma época também Tian ZhuangZhuang “小城之春/A primavera numa pequena cidade”, “吴清源/The Go Master” embora este último se foque com mais intensidade as memórias da revolução. E sinceramente acho que é mesmo neste aspecto que a sexta geração se afasta, não se afastando de uma forma brutal porque nada na sociedade chinesa ou na história da China se pode afastar de uma forma muito cabal do período da revolução, ainda tão recente, ainda com tantas repercussões e ainda sem uma ruptura total, para além da económica. Mas afasta-se na medida em que, precisamente, já não fala de memórias, mas antes de heranças, de legados e de vestígios que entram num conflito brutal com a abertura económica da China.


Frases como “Na china o que não falta são pessoas.” surgem com frequência na boca das mais diversas personagens, estou a lembrar-me do Shijie do Mang Jing, mas certamente apareceu em muitos outros. Há naturalmente efeito metafórico, esta é uma frase tipicamente usada por economistas e no entanto aqui surge ela num contexto em que se quer pensar o humanismo. O muito significa o barato o que faz com que até a vida humana não tenha muito valor.


Porque esta é uma geração de realizadores que nunca viram ninguém morrer à fome mas que que vêem os seus filmes serem proibidos no seu próprio país enquanto obtêm as mais sumptuosas menções na Europa ou na América, filmam na maioria das vezes de maneira ilegal, vivem no estrangeiro (ou viveram durante algum tempo) e acima de tudo querem... ser parte integrante da história da China. E não, não há necessariamente uma contradição. É um sentimento ambíguo de expatriação e espírito crítico, introspectivo, mas nunca estupidamente arrogante ao ponto de não compreender a forma como se pertence inevitavelmente a um lugar e como esse lugar deixa legados, heranças na formação do desenvolvimento individual e como esse legado intimista quer repercutir o colectivo, alertando-o, apelando aos seus sentidos, fazendo um cinema visceral, corrosivo que fala da identidade cultural e da personalidade colectiva do povo chinês tal como ela é.

 Como o recém-estrado em Portugal 落叶归根/Regresso a casa de Zhang Yang.A simplicidade da história ganha uma dimensão avassaladora na interpretação de Benshan Zhao (Happy Times, Keep Cool) e em todo o formato realista do filme. Todas as personagens com quem o personagem principal se cruza são personagens tipo que reflectem um tipo de atitude mais ou menos confucionista, mais ou menos taoista ou absolutamente materialista, naquele que é o estado das várias morais na China de hoje - um misto de identidades de várias origens geográficas com condicionamentos históricos e políticos.


Na minha perspectiva há dois realizadores altamente representativos do espírito da Sexta Geração. Um é Wang Xiaoshuai com "冬春的日子/The Days”e "十七岁的单车/Beijing Bycicle”, o primeiro que foi uma lufada de ar fresco que veio dar ares do início de uma geração que ainda existe e que ainda se quer afirmar, precursor do seu movimento, reflectindo o estado de uma nação cortada em pedaços deixando à sola um espírito materialista incontrolável que acaba por penetrar como uma repressão de um mau momento que acaba por ter consequências concretas no corpo social.


O outro é Yu Li e o seu 苹果/Lost in Beijing que conta com as poderosas interpretações de Tonny Leung Ka-Fai (não confundir com o Tonny Leung Chiu Wai), assim como com Binbing Fan vinda de Hong Kong mas sem que lhe falhe o mandarim e o recém-fenómeno do cinema chinês Tong Dawei, que mesmo estando envolvido em filmes proibidos onde há cenas de nudez e de sexo (e que não são filmes da terceira categoria -feng ye- de Hong Kong) ainda assim foi convidado para o elenco de Chi Bi/A batalha de Red Cliff, e foi o protagonista de uma das séries de maior sucesso televisivo no continente, Fendou(奋斗). Sem dúvida é um filme que reflecte o dia-a-dia com uma verosimilhança impressionante. Qualquer pessoa que tenha estado na China já viu imensos trabalhadores, imensos 'laoban' (patrão em chinês) que se parecem com a personagem de Ka-Fai ou trabalhadores nas construções que vêm de províncias distantes da grande cidade onde se encontram.


Outros a ter em conta: Zhang Yuan com “北京杂种/Beijing Bastards” e “East Palace, West Palace”, Lou Ye do qual destaco o 頤和園/Summer Palace.  Mas a sexta geração não se fica por aqui, é um emaranhado de prémios pela Europa e de proibições na China, sem esquecer mencionar que essas proibições são meramente formais já que em qualquer esquina onde se vendam DVDs piratas, podem encontrar-se os filmes todos (eu comprei a maioria dos filmes que tenho nesses sítios, e encontrei tudo o que não estava oficialmente em circulação).


Relembro que esta designação geracional é aplicada a realizadores da China continental que utilizam essencialmente o mandarim (que é aliás uma outra reflexão recorrente), o que ainda exclui uma infinidade de possibilidades, como cinema de Taiwan e Hong Kong.

Conclusão, há muito mais cinema do que aquele que se pensa. Nos dicionários de cinema que se encontram por aí ainda há pouca ou nenhuma atenção dada à Ásia o que é uma pena. O cinema não se esgota num ou dois continentes. Felizmente!

2 comentários:

Mspirit disse...

Esta muito bom, muito completo.

Joana disse...

O único filme que vi destes foi o Lost in Beijing e fiquei mesmo impressionada, é excelente, e fiquei com vontade de ver outros do género... thanks pelas dicas!