terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Amin Maalouf e as favas do Cairo

Existem nos mercados do Oriente «favas» misteriosas a que antigas superstições dão o poder de favorecer o nascimento de crianças do sexo masculino. Quando o narrador deste romance, um sábio francês especialista em escaravelhos, consegue encontrar algumas durante uma viagem ao Egipto, não tem dúvidas de que o mundo acaba de entrar numa época crítica da sua história. Com efeito, um pouco por toda a parte, os nascimentos femininos vão-se tornando raros, sem razão aparente. Seriam as «favas» a origem dessa desgraça? Através de uma série de tentativas de investigação que os conduz até ao equador, o sábio e a sua expedição procuram uma explicação. 
Feroz e terno, alegre e sério, este romance de Amin Maalouf presta-se a mais de uma leitura. Romance do amor «maternal» de um pai para com a sua filha, romance de um homem dedicado à «feminilidade do mundo», romance de um mal incompreensível que destrói as mulheres e atormenta os homens, romance da divisão do nosso planeta entre um Sul em decadência e um Norte que se exaspera, romance do assustador encontro entre as perversões do arcaísmo e as da modernidade... Mas talvez seja antes de mais o romance do desconcertante fim de século passado. Também com um olhar inquieto para o vinte e um, já presente e que o autor designa, enigmaticamente, O Século Primeiro depois de Beatriz.




O que é interessante neste livro é a forma como consegue construir uma narração em torno de uma ideia que soa a ficção científica biológica virada para reflexões humanistas. As favas do Cairo dispostas a conservar uma moral arcaica da preferência pelo nascimento de um filho e não de uma filha. Por outro lado, as relações pessoais retratadas com a distância de um catedrático. Realista mas não meloso. Com ideias antigas mas com uma perspectiva de ficção bastante interessante. Espero agora a leitura do “As Identidades Assassinas”.   O que é realmente lamentável nesta edição é a péssima tradução e péssima revisão do livro, que até erros ortográficos deixou e traduções directas do francês de coisas que não fazem sentido. Gostava que a editora desse um tratamento melhor a estes livros do Amin Maalouf, que é cada vez mais conhecido e procurado, mas isso não justifica que editem as coisas à pressa. 


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