domingo, 1 de julho de 2007

Isso não tem nada a ver comigo…


Um dos valores de ordem do espírito português reside no consenso. E ser consensual é não arranjar chatices com ninguém. O que importa é não arranjar cá divergências porque as divergências geram problemas e nós queremos ser amigos de toda a gente.

Somos um povo de amigáveis.


Fazemos acordos políticos com Vladimir Putin sempre numa base de amizade e, acima de tudo, de neutralidade e o respeito pelos direitos humanos na Rússia, no quadro das operações antiterroristas, não têm nada a ver connosco!

Aliás, coloca-se esta reflexão: ser amigo de alguém em Portugal é sentir por essa pessoa uma plena neutralidade.

Portanto, para se ser amigo de toda a gente temos que adoptar determinadas vias ou simplesmente deixar de adoptar vias. Como as vias se querem acima de tudo e, claro, consensuais, temos que fazer os possíveis para não provocar o atrito de pensamentos, ideias ou valores. Podemos questionar “mas temos que agradar às pessoas que não nos agradam?”

Eu esclareço: não há pessoas não nos agradem acima de tudo porque numa existência regida pela procura permanente do todo consensual não podem existir sentimentos fortes, não podem existir convicções e o próprio conceito de dignidade acaba por perder bastante do seu sentido. O que é realmente o topo do desejável é não possuir uma personalidade individual com ideias próprias e visões do mundo assumidamente diferentes.

Porque caso um português sinta que isto existe dentro de si, ele ignora-o o máximo possível, tentando atirar todos os vestígios da sua individualidade para o recanto mais obscuro e escondido que conseguir encontrar.

A mediocridade será, neste contexto, a via primordial do consenso. Ser medíocre é a arte de não fazer inimigos e como somos um povo amigável, é essencialmente isto que nos interessa.

Por exemplo, se a dignidade individual de um sujeito estiver posta em causa, sobretudo por um grupo com um número razoável de pessoas, um sujeito tipicamente português jamais irá opor-se veemente à maldade que lhe estão a fazer.

O que ele vai procurar fazer é ignorar tudo o que possa ser origem do seu sentimento de mágoa e não manifestar qualquer emotividade, qualquer ponto de vista. Se possível, o ideal é até concordar que apesar dos indivíduos lhe terem feito mal sem motivo nenhum, no fundo, ele é uma má pessoa por natureza e pedirá desculpa por isso.

CASO ELE TENHA UMA REACÇÃO, qualquer que seja, simplesmente por reagir, está completamente tramado porque neste caso, vira-se o feitiço contra o feiticeiro.

O que importa não é a situação na sua essência mas sim a REACÇÃO COM MANIFESTOS TRAÇOS DE CONVICÇÃO PESSOAL que o indivíduo perpetuou.

Qualquer português atingido por este tipo de reacção pensará logo para com os seus botões de moralidade alienada “Então admite-se isto? Tudo bem que lhe fizemos mal mas este indivíduo não tem o direito de estar a ter sentimentos tão fortes acerca de uma situação!... O que as pessoas normais fazem é ignorar e continuar com a convivência hipócrita que sempre tiveram!”

E depois há ainda o outro fenómeno, normalmente sobressai quando o problema é com um grupo, que é aquele do individuo pertencente ao grupo se defender argumentando “Ainda por cima esta situação que não teve nada a ver comigo… que foi não sei quem que fez e que eu, pronto, não me manifestei porque isto não tinha nada a ver comigo.”

O conceito de cumplicidade desaparece. Isto porque o português não tem opinião e faz aquilo que todos fazem, sem stress. Caso haja um problema num grupo ele é neutralizado pelos movimentos da maioria sem que para isso os seus elementos estejam implicitamente a assumir uma posição.

As pessoas ditas normais têm sentimentos mesquinhos sobre as coisas e não têm nada que possuir sentimentos profundos e consequentemente reacções profundas. As outras pessoas normais nunca têm nada a ver com as situações anormais que ocorrem.

O que importa realmente é deixar as coisas andar!
E assim o sujeito aleatoriamente malogrado (é sempre sem intenção, então?) poderá retomar ao seio do grupo de pessoas que lhe fizeram mal para, muito hipocritamente, continuar a sua existência colectiva miserável baseada numa superficialidade vertiginosa mas que o fará sentir um elemento pertencente a um grupo de pessoas. Que não gostam assim tanto dele como isso. Mas MESMO NÃO GOSTANDO há acima de tudo um sentimento de fictícia compreensão que é, como quem diz, o medo de perder as pessoas que o rodeiam e que lhe dão a imagem fictícia da romântica ideia de ‘amigos’. Oh! As ideias românticas em Portugal! Tão bonitas que elas são… o amigo que está ali quando precisas dele… para te segurar a cabeça depois de cinco litros de álcool ingeridos… porque é com o sangue completamente intoxicado de alcool que as pessoas de quem não gostamos assim tanto parecem tão fixes e é tudo tão divertido...

Pois é, as pessoas nesta sociedade são acima de tudo cobardes. Não se pode manifestar visivelmente uma emoção perante o outro porque manifestar sentimentos fortes, é, como já vimos, sinónimo de conflito e o conflito deve ser evitado, assim como as ideias próprias devem ser evitadas, ou pelo menos, que sejam divulgadas. (Até podem existir ideias próprias desde que não passem da mente do indivíduo, ou de um grupo fechado de pessoas ao qual a pessoa malograda nunca terá acesso, agora falar directamente com o indivíduo, isso é que não, prefere-se dar-lhe logo as consequências). Caso haja uma reacção forte sobre algo, uma base solidificada de valores individuais e de sentido crítico sobre o que o rodeia toda a gente vai cair em cima dele com argumentos tão penetrantes como

“Mas tu viste a tua reacção?”
E diz o indivíduo “Mas… aquela situação, tu viste o que me fizeram?”
“Sim, mas e a tua reacção? Era preciso aquilo?”
“Mas eu só quis saber o que se estava a passar, a situação é que é o essencial!!”
“Não… o essencial é uma coisa que não vem nada ao caso, mas a tua reacção…”
"Mas vocês magoaram-me. Estavam à espera que não acontecesse nada?"
"Claro! Mas o que mais poderia acontecer?..."

Todos os códigos de diferença inerentes ao sujeito são vistos como não integradores, como se a tradução cerebral daquilo com o qual é confrontado não conseguisse processar a informação. É por isso que um dos insultos mais recorrentes do qual estas pessoas se costumam servir é o da "infantilidade". Por infantilidade entende-se o estado ainda não evoluido de mediocridade e, logo, de não integração no grupo.

Portugueses, enfrentem quem precisa de ser enfrentado, DEIXEM A MERDA DA COBARDIA, arrangem uma personalidade e sejam-lhe fiel, não vai ser por terem meia dúzia de pessoas ou uma dúzia, ou quantas forem necessárias a odiarem-vos que o mundo vai acabar e, aliás, ser odiado por pessoas deste género é, acima de tudo, um profundo elogio.




1 comentário:

Juan Edu almonte disse...

tambien dorian gray es mi favorito. soy de republica dominicana en el caribe. extranjero en mi propia tierra. es increible como se parece lo que dices a lo que pasa con nosotros. si no estas en medio de la rapidez del sistema estas fuera, te conviertes en un inutil fantasma.