quarta-feira, 1 de abril de 2015

Herberto Helder


O que representa a poesia de um país?

Em 2015 não há muitos motivos para se ter orgulho em ser português. Essencialmente por questões políticas e acessoriamente por questões que se relacionam com a economia local mas também global.
Se a expressão artística em geral consegue representar uma identidade individual ou coletiva, a poesia, pelo uso exclusivo da linguagem consegue minudenciar essa identidade. 

Sempre me identifiquei com o Álvaro de Campos que era estrangeiro em toda a parte e com o Pessoa que declarou que a sua pátria era a língua portuguesa. Dois conceitos pessoanos com os quais desenvolvi a minha identidade desde a pré-adolescência.  

Pessoa falece em 1935 mas é a partir dos anos oitenta que historicamente se começa inscrever na nossa memória coletiva, símbolo da cultura portuguesa contemporânea, lisboeta em particular devido ao esforço que foi feito para que a divulgação da riqueza literária que ele deixou pudesse atravessar fronteiras. Consecutivamente conheço estrangeiros que se apaixonaram por Portugal porque começaram por conhecer Pessoa. Neste Março que celebra 100 anos desde a primeira edição da Revista Orpheu é também um mês em que o país perde mas, sobretudo, a língua portuguesa perde um símbolo maior da sua vitalidade com o falecimento de Herberto Helder.



Em Photomaton & Vox, Herberto Helder define em 1979 o que significa pertencer a uma geração de poetas em Portugal “Eramos uma nova imitação de Cristo na Luciferania versão de alguns radicais antigos ou modernos, para quem a poesia foi uma ação terrorista, uma técnica de operar pelo medo e o sangue”. Até porque a poesia é “aquele equilíbrio no arame que mata o apetite de vertigem e nebulosa delinquência de uma emotividade suburbana”.

Herberto Helder, surrealista, simbolista ou híbrido: um poeta que explora as figurações do corpo (a poesia carnal ou encarnada), da relação com o tempo e com o espaço, da reivindicação da presença do leitor, da relação vida e arte, do discurso do absurdo, da dessincronização dos sentidos e da criação de realidades na realidade. Do prosaico ao carnal, do erudito ao existencial. Um poeta que pôs muita gente ler poesia e outra tanta a escrevê-la. Um homem de esquerda, contra as unanimidades e pensamentos empacotados.

A resposta à pergunta inicial do post encontra-se também dada por Herberto Helder na continuação da abertura desta obra, o poeta como revelação, sendo que “a última revelação é esta de sermos os produtores inexoráveis e os inevitáveis produtos de uma ironia cuja única dignidade é descender do tormento, um tormento sempre equivocado na sua manifestação sensível.” “Escrever é um jogo (…) representa-se a cena multiplicada de uma carnificina metafisicamente irrisória”.
Sabemos que Herberto Helder não quer ser o próximo Fernando Pessoa. Não quer estátuas, não quer ruas, não quer pertencer a protocolos literários, como afirmou em modo de pedido o seu mais mediático filho, o comentador político e jornalista Daniel Oliveira.

De facto, se se refugiou de qualquer meio mediático nos últimos anos de existência não podemos depois da sua morte desejar-lhe algo contra o qual lutou em vida.
 “Se quisesse, apresentava-me como uma vítima da escrita, da inocência, da neurose e suas instâncias psiquiátricas e psicanalíticas”.


Se em 2015 temos poucas razões para nos orgulharmos da nossa identidade, Herberto Helder é uma delas. Apelo ao encontro de uma identidade que não se deixe delinear apenas por fronteiras ou origens mas que se exprima através do nosso maior património: o património linguístico. Cabe-nos divulgar Herberto Helder como ícone de um valor literário ímpar globalmente. A contemporaneidade exige reciclar os nossos ídolos literários. Que estes se mantenham como parte essencial de uma identidade coletiva, sempre. 



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