As correntes
tradicionais de leitura das Relações Internacionais, nomeadamente o Realismo e
o Liberalismo apresentam uma forma de atuação dos estados-nação no palco
internacional sempre racionalmente explicado às audiências de uma só forma. Nos
discursos de defesa dos interesses estatais, integram-se as medidas que
concernem a políticas de defesa militar do estado da mesma forma que integram o
discurso da defesa dos interesses económicos de um estado. Sempre na perspetiva
de que a estabilidade doméstica justifica posicionamentos externos. O que torna
a “defesa de interesses” objeto de reflexão é a sua definição e composição. Os “interesses”
podem basear-se em características que divergem entre si muitas vezes de acordo com
as características culturais específicas de cada estado, ou seja, consoante a
sua identidade.
A
explicação única da “defesa dos interesses nacionais” torna-se vaga e sujeita a
interpretações. Para Portugal essa justificação é anexada a medidas que não
coloquem em questionamento a ordem económica vigente de índole neoliberal da
atual zona euro. Mantemos assim os brandos costumes de Eça de Queirós e a
memória recente de uma ditadura conservadora.
Richard
Ned Lebow no seu livro “Why Nations Fight” escreve sobre quatro principais
motivos que historicamente desencadearam as guerras ao longo do tempo: medo, interesse,
posicionamento e vingança. Esta é uma abordagem interessante à luz da história
grega. A famosa moral ateniense e espartana. De lembrar que "Espartano"
significa em várias línguas “rigoroso” ou “desprovido de coisas supérfluas” tal
como os povos da Lacónia que nos deixaram o adjetivo “lacónico”, direto,
incisivo. A filologia pode ajudar-nos a identificar o tipo de características gregas
com as quais nenhum outro país europeu se pode comparar. Claro que falamos de
uma identidade ancestral que se dissipa e se volta a instaurar soberanamente
nas revoltas contra o domínio Turco, na anexação da Macedónia e com a entrada
na I Guerra Mundial no lado dos Aliados, vivendo em monarquia até 1922 e um
período de ditadura militar de 1967 a 1974. Desde que retomou o rumo
republicano e democrático, salienta-se o investimento que os gregos sempre
fizeram em armamento e defesa, um investimento bastante acima da média
europeia.
A
vitória de janeiro deste ano de um partido como o Syriza acrescenta linhas à vastíssima
história grega, revelando uma consciencialização da população mais uma vez não
comparável à de qualquer outro europeu. A proclamação dos interesses nacionais
não deixa de ser um discurso também ele utilizado por Tsipras ou Varoufakis. O
seu entendimento e interpretação é que são outras. Se o interesse de sobreviver
financeiramente exige padrões de vida indignos e suspende a liberdade política
e social, esse é também um motivo de tensão entre estados e essa regra das
Relações Internacionais aplica-se mais uma vez na relação da Grécia com a Zona
Euro. Neste fim de semana, resultado de um referendo utilizado pelos poderes
ilegítimos e antidemocráticos do capital, com os rostos de Merkel, Draghi e Lagarde
mas incluindo os dirigentes europeus que pouco têm dignificado os seus estados
incluindo Passos Coelhos e Mariano Rajoy.
Foram
as características culturais específicas que deram uma vitória massiva do Não
ao domínio neoliberal europeu e são elas que continuam a fazer com que em Portugal a
televisão seja dominada por uma elite económica não intelectual cujos mandatos
de propaganda continuam a modelar as mentalidades. Chegou a altura de denunciar o assalto à dignidade, à soberania e aos valores democráticos e chegou a altura de um "Não" português. Ninguém é dono da Europa e com ou sem a Grécia dentro da unidade monetária, poucos são os países que vão continuar a representar o valores europeus como os gregos o fazem.
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