segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Letónia


Um ser é um universo e os universos possuem recantos, por vezes difíceis de encontrar porque muitas vezes inexplorados. Em última análise, conhecer alguém é uma forma de invasão. Mas a descoberta deve ser prudente, uma vez que qualquer aventura implica riscos. Quando o corpo viaja, a mente antecipa-se e viajar é atravessar diversas paisagens humanas. Tendemos a analisar a diversidade comportamental com a localização geográfica. Aprendemos a evitar estereótipos mas somos seus cúmplices, a mente humana vai inevitavelmente procurar padrões, mesmo que esses padrões existam apenas numa tese, uma hipótese formulada racionalmente para nos ajudar a apreender aquilo que observamos. Dividimos esses estereótipos em grupos vizinhos. Faz sentido porque a socialização é feita de várias fases miméticas, assimilamos e reproduzimos e dessa forma comunicamos. É aí que nos encontramos. A distinção é aqui uma forma de reencontro com o ser que nos habita, também ele complexo e infinitamente inexplorado. A viagem, no seu sentido mais purista, não pode deixar de ser uma expedição da alma, tanto à procura do eu como do outro e que resulta numa combinação que se torna gradualmente indistinta. Em cada pessoa diferente existe um elo comum, mesmo que essa descoberta possa representar um desafio. As diferenças culturais e a análise sociológica explicam apenas uma parte da complexidade da psicologia humana. Há um misticismo inerente à viagem porque é a área do desconhecido mas esta percepção não deve ser ingénua: sair é desconforto e a realidade é que esse desconforto é precioso. Apenas não temos a capacidade de apreciar o desconforto a curto prazo. Há uma lentidão necessária, nem sempre agradável. Sabemos o que somos por oposição ao outro enquanto descobrimos que essa oposição é paradoxalmente inexistente ou pode existir mas apenas enquanto tese. Somos únicos e somos toda a possibilidade.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Comentário é conteúdo



Neste post não vou refletir sobre o carater aleatório deste blog, embora a minha mente tendencialmente organizada me faça sempre começar por aí. Talvez tenha que assumir que este espaço não tem propósito intelectual mas antes um propósito emocional, sou eu que me conecto comigo. Para mais, nos dias de hoje, “comment is the content” e estou a citar o último episódio de South Park, já disponível online, e se aparece em South Park, é porque é oficial. E é verdade, é tão verdade para o meu sobrinho de 6 anos que é viciado em comentadores de jogos no youtube, como é verdade para todo o tipo de informação que recebemos hoje em dia. Eu acho que com isso – não sei se gosto muito desta forma do meu sobrinho passar grande parte do seu tempo – mas é verdade que o aumento da influência da socialização das redes disponibilizou para o utilizador uma leitura de várias camadas, mais transversal, espontânea e livre. De facto, o comentário ao conteúdo é conteúdo por si mesmo. Isto faz com que o conteúdo esteja sempre em permanente vigilância e acredito que há valores positivos que advém desta nova experiência – nunca vi tanta denúncia de misoginia presente em livros, filmes e músicas como vejo agora pela internet a fora. Parece que todos somos convidados a opinar e essa massa opinativa tem também o propósito de ser geradora dos próximos conteúdos, desejavelmente adaptados às exigências com que se depara. Nunca foi tão fácil perceber o que pensa o consumidor final dos produtos culturais. 

Começo a notar que o mês de Dezembro é muito profícuo em reflexões. É uma espécie de melancolia metódica que coincide com o fim do ano civil. Serão as luzes fluorescentes nos pinheiros? Será o Pai Natal um espírito de uma realidade com 5 dimensões onde o tempo é não só um círculo plano como a parte de trás de uma estante – é tão lamentável mas eu fico sempre … entusiasmada… vamos dizer assim, com estas MMR (Matthew Mcconaughey References). Também é uma fase em que fico muitas vezes com tempo livre e não preciso de dormir e assim sendo posso instruir-me mais tanto passiva como ativamente através da escrita que é, essencialmente, uma questão de prática como as outras. Ou até através de uma atividade que faz muito bem  que porventura pessoas que leem este blog, certamente não praticam o suficiente que é o convívio com pessoas, tipo sair com elas e conversar, como todo o tipo de pessoas em termos de feitio, idade, nacionalidade, orientação sexual, etc e nem sempre recorrendo a estupefacientes ou álcool para o efeito. Nem sempre, mas às vezes ajuda. Viajar também é uma forma ativa de reflexão mas é sempre diferente se se viaja sozinho/a ou se viajamos a dois ou com grupos de pessoas e atividades definidas. Todas estas condutas são bem-vindas para alimentar o bichinho do pensamento que é uma forma querida e quase infantil de dizer preencher o vazio existencial camusiano que invade inusitadamente os sentidos na quadra festiva.


É provável que eu venha a escrever novamente em breve mas se não acontecer, lembrem-se de ter um período festivo repleto de todas estas dicas que vos dei: boa continuação de produção de não-conteúdo para todos!

domingo, 16 de novembro de 2014

Nightcrawler / Repórter na Noite: provavelmente o melhor filme de 2014

Um sociopata é uma pessoa incapaz de sentir empatia. A empatia é o que nos permite identificarmo-nos emocionalmente com os outros, é o que nos faz ter sensibilidade emocional e é a base para nos relacionarmos socialmente. Clinicamente, os sociopatas são incapazes de dar respostas emocionais ajustadas às situações, por outro lado, são dotados de uma grande habilidade intelectual e, apesar de não serem capazes de dar repostas emocionais adequadas, a sua capacidade racional apetrecha-os de um dom muito próprio de mimetismo dos comportamentos humanos, o que os ajuda a misturarem-se sem serem identificados. 4% da população americana é sociopata, mais ou menos 12 milhões de pessoas. O que é que esta gente faz? Eu acho que muitos deles estão provavelmente à frente de cadeias televisivas e jornais de algibeira. Tendo em conta que o sociopata se conduz por instintos de megalomania e arrivismo extremo, é bem provável que muitos deles cheguem a lugares de chefia.

Quando acabei de ver o Nightcrawler a realidade à minha volta parecia distorcida, foi como se tivesse visto um filme de terror. Olhei para a mulher ao meu lado na casa de banho a lavar as mãos com alguma suspeita. Afinal, quem são os sociopatas desta sociedade que desfilam com impunidade perante todos nós? Mas este não é um terror de uma faca atrás de uma vítima, é um terror psicológico, cinematograficamente impecavelmente estilizado a transbordar humor e ainda assim refletindo uma realidade tão estupidamente próxima e familiar. O filme explora o ambiente suburbano de Los Angeles mas podia explorar qualquer outra grande cidade, podia ser sobre a Damaia ou os Olivais. É bastante negro e bastante gráfico. Críticos alegam que esta sátira ao lado macabro dos media não é novo, já foi feito, pois eu acho que precisávamos de mais um olhar sobre isso neste ano de 2014 e foi isso que este filme fez. Uma exposição do que de mais grotesco encontramos entre as pessoas que dirigem as imagens que nos chegam a casa todos os dias pelo pequeno ecrã, com interpretações brutais, um ambiente noir, estilo Drive, estilo Taxi Driver mas com um protagonista distinto, um Jake Gyllenhaal a transpirar carisma numa atuação brilhante.


Este é um filme de diálogos de culto que destrói a dialética do sucesso na nossa época: pega nela, espezinha-a e arrasta-a pelo chão a sangrar. De facto, não sei o que me perturbou mais: se o grafismo dos corpos assassinados ou a linguagem corporativa do Lou Bloom, ambas as coisas são macabras.  Entre uma fratura exposta ou alguém a dizer-me como me devo comportar em sociedade para atingir o sucesso, venha o diabo e escolha! 


Acho que o perfil do sociopata está extremamente bem definido na personagem principal, assim como na diretora de emissão (Rene Russo). Os diálogos deliciosamente escritos mergulhados em humor negro a cinematografia das perseguições, são alguns dos elementos que fazem deste filme provavelmente o melhor de 2014.

Para o ver numa sala de cinema, tive que me dirigir a um Cinema City, acho que devia estar melhor divulgado. Em Lisboa não terão certamente problemas em encontrá-lo, o mesmo não se pode dizer em relação ao resto do país. 

Acho que todos os defensores do empreendedorismo de cordel e dos ideais puros da ideia de “self-made men” possam sair deste filme a dizer:


“Who am I? I'm a hard worker. I set high goals and I've been told that I'm persistent.  Now I know that today's work culture no longer caters to the job loyalty that could be promised to earlier generations. But I believe that good things come to those who work their asses off and that good people who reach the top of the mountain, didn't just fall there.”


Lou Bloom 

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Os Chineses que investem em Portugal e o racismo português que investe em chatear-me

O que há de realmente polémico em relação a esta nova legislação sugerida por Paulo Portas no início do ano transato? Se existe efetivamente alguma dúvida ética no que concerne a este formato que conjuga investimento com um pacote de acesso livre ao espaço Schengen ela pode começar pelo visto de residência e acabar no questionamento dos princípios da república, pois existe a possibilidade de obtenção de um passaporte português mediante determinados requisitos – como o linguístico. O que é interessante em toda a mística dos vistos dourados é que ela advém em grande parte devido à ignorância que existe em relação à legislação em geral. Não enveredando exclusivamente por uma lógica histórica, dando a conhecer os países por este mundo a fora que adotaram legislações dentro do mesmo domínio,  renego-me à perspetiva conceptual. Salvaguardando o facto de Paulo Portas não ter feito mais do que copiar o que alguém lhe recomendou.

Conceptualmente, a aquisição de um bem imobiliário conduz necessariamente a uma noção de residência. Quando essa noção de residência embate em políticas nacionais e transnacionais de circunscrição de um cidadão à sua área soberana, a liberdade individual do sujeito que, a) deve ter liberdade de escolha em relação ao seu país de residência e b) tem liberdade de investimento ativo e de aquisição de produtos em qualquer parte do globo de acordo com as leis do comércio internacional, é de liberdade que estamos a falar. Emigrar não é fácil mas é muitas vezes desejável. Na atualidade, quantos portugueses sonham em emigrar para um país menos corrupto, um país onde existe uma conservação do estado social, onde o que se consegue amealhar pode vir a constituir património ou nem chegando a isso, onde trabalhar sirva, em último caso, para a sua sustentação. A vontade de partir para uma realidade mais aliciante pode ter várias origens, sendo que a ascensão social se afigura como motivo primário numa análise superficial. Sim, é difícil partir quando a instabilidade financeira se impõe. Difícil é também partir quando as restrições políticas assim o impedem.

Suponhamos que um português de classe média decide mover-se para outra parte do mundo para investir num futuro mais lucrativo. É justo. Não vou negar a vertente capitalista deste enquadramento, vivemos em liberdade de movimento mas também de capital. Para quem toma a democracia por garantida é difícil pôr-se no lugar daqueles a quem a liberdade de expressão ainda não foi dada, aqueles que ainda vivem ao albergue de estados opressores, que nascem debaixo de céus menos abertos. Não escolhemos onde nascemos e não escolhemos a que leis do poder nos sujeitamos.

A sensibilidade às discrepâncias sociais deveria ser uma aptidão inata ao ser que olha em seu redor. Mas quando falamos em vistos gold para apontar problemáticas marxistas estamos a misturar alhos com bugalhos. Acredito na emancipação através do capital, foi a única que até agora promoveu o bem-estar social assim como o desenvolvimento tecnológico e científico desta espécie em permanente conflito e evolução que é o ser humano. Há perspetivas ideológicas específicas para esta matéria.
Quando permitimos a um cidadão chinês que circule no espaço Schengen seja a título pessoal, seja a nível comercial livremente, estamos a conferir liberdade, a mesma que nós enquanto filhos da república portuguesa temos. Estamos a partilhar valores que a custo conquistámos. E perguntamo-nos: então, devemos dar asilo político a todas as populações de todos os regimes totalitários do mundo? Seria simples, não seria? É teoricamente impossível em qualquer cálculo, não nos divaguemos em realidades imaginárias. Com 500.000 euros cidadãos fora da UE podem obter liberdade de circulação no espaço Schengen. Fomenta a indústria imobiliária, promove a integração transnacional, fortalece laços diplomáticos. Infelizmente, para nós é muito dinheiro pelo que nos esforçamos por captar este investimento de forma extraordinária – estudamos mercados, construímos produto, formamos para o acolhimento de uma captação de investimento de fontes com as quais ainda lidamos pouco – como o é o investimento chinês.  Os atritos que surgem no seio destes cenários de mudança são precisamente as forças que muitas vezes são obstáculos à mudança. Visões simplistas como a de se comparar nos mesmos termos um imigrante de um pequeno negócio local com o imigrante que aproveita determinado enquadramento legal para certos movimentos financeiros, aliás, ambos estão a aproveitar os enquadramentos legais de um país dispõe. Sou uma mulher de esquerda porque tendo a concordar com políticas de integração social, mais do que com políticas da acumulação anárquica e descontextualizada do capital mas jamais assumiria a perspetiva fundamentalista que subentende que um rico é mau na sua essência. Não há maldade na individualidade individual e não há certamente maldade na emancipação, na imersão de um estado de subordinação ao poder para um estado de relativo controlo da sua liberdade individual.

Noutro ponto, tem que se parar com a tese de que é a crise que leva à adoção desta legislação. Quando o Canadá começou a impor restrições mais apertadas e prazos de candidatura à aquisição imobiliária com vantagens de residência foi por imperatividade. O Canadá não estava em crise.


A China como face do fim da hegemonia ocidental
Não estamos historicamente habituados a uma supremacia outra que não a do mundo ocidental civilizado. Quando uma etnia que pensamos nunca ter imperado se começa a determinar como economicamente superior existe medo perante o desconhecido. É errado pensar que a China não dominou já no passado o balanço financeiro mundial, a Guerra do Ópio surge no seguimento desse feito – século XVIII.

Argumentos recorrentes:

“Temos problemas com a ditadura” - compreendo – não compreendo como é que conferindo a cidadania portuguesa isso surge como argumento no caso dos vistos gold. O asilo político já enquadra esta noção.

“São culturalmente diferentes” – se estão a ler este blog e não entendem porque é que ser culturalmente diferente não deve ser um argumento contra a integração de alguém numa sociedade, não aconselho a continuação da leitura.

“Vão invadir-nos” – terei que ser sarcástica e dizer, em nome da industria imobiliária “quem nos dera!”. Não estamos na situação privilegiada em que esteve o Canadá quando começou com a legislação até a apertar e circunscrever por problemas de sobrepopulação ou de ameaça soberana. Preocupam-se com a problemática soberana, esta pode ser posta em causa quando serviços públicos essenciais são postos em causa. EDP e REN são neste caso mais conflituosas. Se Portugal tivesse uma promoção mais ativa no estrangeiro e fosse uma marca forte, ou seja, se fossemos a nível global um sítio extremamente solicitado enquanto primeira escolha, neste momento não teríamos em termos de captação de investimento as problemáticas no setor imobiliário com que todos os dias profissionais da imobiliária se deparam – o monopólio da captação de investidores por parte de duas ou três grandes corporações que obrigam os locais a repensarem as suas estratégias de venda com inflações e medidas que se sabem danosas a médio prazo para a própria industria. Há que perceber que nenhum mercado se quer autodestruir e que as opções estratégicas tomadas são feitas tendo em conta a gestão do “worst-case scenario”.

Com este artigo quero demonstrar que quem se sente estranho e apreensivo ao observar que muitos dos compradores de imobiliário de luxo em Portugal desde Março de 2013 são chineses é porque tem que lidar com problemáticas xenófoba e racistas no seu âmago. Acusar investidores estrangeiros de criminosos aleatoriamente não me parece um bom princípio. Não, ninguém atribui vistos de permanência a pessoas com registo criminal e depois dos três casos nas cinco centenas de vistos atribuídos acredito que as averiguações e precauções se tornaram ainda mais vigilantes.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sem zeros à esquerda




Mais falado do que o próprio Livre, o Manifesto 3D tentou unir as forças políticas à esquerda. (BE, Livre, Renovação Comunista e Manifesto 3D) Parece-me que se tratou, de acordo com o tenho lido do Daniel Oliveira, uma tentativa que se fazia na sequência alargada da observação de outros movimentos como o Syriza na Grécia sob o realçou que o partido de Alexis Tsipras “multiplicou por seis (tinha 4,6%) a percentagem do seu partido, em apenas três anos”. 

A não convergência das forças da esquerda esteve assim em foco – não foi, certamente, surpreendente. Acredito mesmo que não foi um mecanismo inocente para realçar as falhas dos sistemas partidários à esquerda com uma intenção muito clara de tocar nas feridas organizacionais do BE. Com a demissão de Ana Drago da Comissão Política do BE realça-se o sentimento de que esta esquerda já não é mais a esquerda da Política XXI e de que os vários fragmentos intrapartidários que sempre preocuparam a opinião pública retomam a ordem do dia. As pessoas estão mais curiosas com o que se passa com o Bloco e isso deve-se também ao surgimento do 3D ou do recém-criado Livre. Fica-se com a sensação de que os clichés contra os quais sempre se lutou - os rótulos de “partido de protesto” e não “partido da ação” – são afinal realidades que a Plataforma Socialismo de Louçã e Semedo fazem viver na realidade política das forças de oposição. Espera-se o prometido novo sujeito político da esquerda. Está ele numa orgânica renovada como é a do partido de Rui Tavares?