O que há de realmente polémico em relação a esta nova
legislação sugerida por Paulo Portas no início do ano transato? Se existe
efetivamente alguma dúvida ética no que concerne a este formato que conjuga
investimento com um pacote de acesso livre ao espaço Schengen ela pode começar
pelo visto de residência e acabar no questionamento dos princípios da
república, pois existe a possibilidade de obtenção de um passaporte português
mediante determinados requisitos – como o linguístico. O que é interessante em
toda a mística dos vistos dourados é que ela advém em grande parte devido à
ignorância que existe em relação à legislação em geral. Não enveredando
exclusivamente por uma lógica histórica, dando a conhecer os países por este
mundo a fora que adotaram legislações dentro do mesmo domínio, renego-me à perspetiva conceptual.
Salvaguardando o facto de Paulo Portas não ter feito mais do que copiar o que
alguém lhe recomendou.
Conceptualmente, a aquisição de um bem imobiliário conduz
necessariamente a uma noção de residência. Quando essa noção de residência embate
em políticas nacionais e transnacionais de circunscrição de um cidadão à sua
área soberana, a liberdade individual do sujeito que, a) deve ter liberdade de
escolha em relação ao seu país de residência e b) tem liberdade de investimento
ativo e de aquisição de produtos em qualquer parte do globo de acordo com as
leis do comércio internacional, é de liberdade que estamos a falar. Emigrar não
é fácil mas é muitas vezes desejável. Na atualidade, quantos portugueses sonham
em emigrar para um país menos corrupto, um país onde existe uma conservação do
estado social, onde o que se consegue amealhar pode vir a constituir património
ou nem chegando a isso, onde trabalhar sirva, em último caso, para a sua
sustentação. A vontade de partir para uma realidade mais aliciante pode ter
várias origens, sendo que a ascensão social se afigura como motivo primário
numa análise superficial. Sim, é difícil partir quando a instabilidade financeira
se impõe. Difícil é também partir quando as restrições políticas assim o
impedem.
Suponhamos que um português de classe média decide mover-se
para outra parte do mundo para investir num futuro mais lucrativo. É justo. Não
vou negar a vertente capitalista deste enquadramento, vivemos em liberdade de
movimento mas também de capital. Para quem toma a democracia por garantida é
difícil pôr-se no lugar daqueles a quem a liberdade de expressão ainda não foi
dada, aqueles que ainda vivem ao albergue de estados opressores, que nascem
debaixo de céus menos abertos. Não escolhemos onde nascemos e não escolhemos a
que leis do poder nos sujeitamos.
A sensibilidade às discrepâncias sociais deveria ser uma
aptidão inata ao ser que olha em seu redor. Mas quando falamos em vistos gold
para apontar problemáticas marxistas estamos a misturar alhos com bugalhos. Acredito
na emancipação através do capital, foi a única que até agora promoveu o
bem-estar social assim como o desenvolvimento tecnológico e científico desta
espécie em permanente conflito e evolução que é o ser humano. Há perspetivas
ideológicas específicas para esta matéria.
Quando permitimos a um cidadão chinês que circule no espaço
Schengen seja a título pessoal, seja a nível comercial livremente, estamos a
conferir liberdade, a mesma que nós enquanto filhos da república portuguesa
temos. Estamos a partilhar valores que a custo conquistámos. E perguntamo-nos:
então, devemos dar asilo político a todas as populações de todos os regimes
totalitários do mundo? Seria simples, não seria? É teoricamente impossível em
qualquer cálculo, não nos divaguemos em realidades imaginárias. Com 500.000
euros cidadãos fora da UE podem obter liberdade de circulação no espaço
Schengen. Fomenta a indústria imobiliária, promove a integração transnacional,
fortalece laços diplomáticos. Infelizmente, para nós é muito dinheiro pelo que
nos esforçamos por captar este investimento de forma extraordinária – estudamos
mercados, construímos produto, formamos para o acolhimento de uma captação de
investimento de fontes com as quais ainda lidamos pouco – como o é o
investimento chinês. Os atritos que
surgem no seio destes cenários de mudança são precisamente as forças que muitas
vezes são obstáculos à mudança. Visões simplistas como a de se comparar nos
mesmos termos um imigrante de um pequeno negócio local com o imigrante que
aproveita determinado enquadramento legal para certos movimentos financeiros,
aliás, ambos estão a aproveitar os enquadramentos legais de um país dispõe. Sou
uma mulher de esquerda porque tendo a concordar com políticas de integração
social, mais do que com políticas da acumulação anárquica e descontextualizada
do capital mas jamais assumiria a perspetiva fundamentalista que subentende que
um rico é mau na sua essência. Não há maldade na individualidade individual e
não há certamente maldade na emancipação, na imersão de um estado de
subordinação ao poder para um estado de relativo controlo da sua liberdade
individual.
Noutro ponto, tem que se parar com a tese de que é a crise
que leva à adoção desta legislação. Quando o Canadá começou a impor restrições
mais apertadas e prazos de candidatura à aquisição imobiliária com vantagens de
residência foi por imperatividade. O Canadá não estava em crise.
A China como face do
fim da hegemonia ocidental
Não estamos historicamente habituados a uma supremacia outra
que não a do mundo ocidental civilizado. Quando uma etnia que pensamos nunca
ter imperado se começa a determinar como economicamente superior existe medo
perante o desconhecido. É errado pensar que a China não dominou já no passado o
balanço financeiro mundial, a Guerra do Ópio surge no seguimento desse feito –
século XVIII.
Argumentos
recorrentes:
“Temos problemas com a ditadura” - compreendo – não
compreendo como é que conferindo a cidadania portuguesa isso surge como
argumento no caso dos vistos gold. O asilo político já enquadra esta noção.
“São culturalmente diferentes” – se estão a ler este blog e
não entendem porque é que ser culturalmente diferente não deve ser um argumento
contra a integração de alguém numa sociedade, não aconselho a continuação da
leitura.
“Vão invadir-nos” – terei que ser sarcástica e dizer, em
nome da industria imobiliária “quem nos dera!”. Não estamos na situação
privilegiada em que esteve o Canadá quando começou com a legislação até a
apertar e circunscrever por problemas de sobrepopulação ou de ameaça soberana. Preocupam-se
com a problemática soberana, esta pode ser posta em causa quando serviços
públicos essenciais são postos em causa. EDP e REN são neste caso mais
conflituosas. Se Portugal tivesse uma promoção mais ativa no estrangeiro e
fosse uma marca forte, ou seja, se fossemos a nível global um sítio
extremamente solicitado enquanto primeira escolha, neste momento não teríamos
em termos de captação de investimento as problemáticas no setor imobiliário com
que todos os dias profissionais da imobiliária se deparam – o monopólio da
captação de investidores por parte de duas ou três grandes corporações que
obrigam os locais a repensarem as suas estratégias de venda com inflações e
medidas que se sabem danosas a médio prazo para a própria industria. Há que
perceber que nenhum mercado se quer autodestruir e que as opções estratégicas
tomadas são feitas tendo em conta a gestão do “worst-case scenario”.
Com este artigo quero demonstrar que quem se sente estranho e
apreensivo ao observar que muitos dos compradores de imobiliário de luxo em
Portugal desde Março de 2013 são chineses é porque tem que lidar com
problemáticas xenófoba e racistas no seu âmago. Acusar investidores
estrangeiros de criminosos aleatoriamente não me parece um bom princípio. Não,
ninguém atribui vistos de permanência a pessoas com registo criminal e depois
dos três casos nas cinco centenas de vistos atribuídos acredito que as
averiguações e precauções se tornaram ainda mais vigilantes.
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