Não nos fica bem falarmos de nós mesmos e eu concordo. Não nos fica bem sobretudo realçar aquilo de que gostamos em nós e, no entanto, todos temos - ou se não temos deveríamos claramente ter - uma capacidade mais ou menos introspectiva de nos avaliar, qualificar e caracterizar. No caso da arte e da relação que o artista mantém com ela, essa qualidade auto-analítica dever ser uma permanente. Afinal, o artista é um ser obcecado consigo mesmo e a arte provavelmente mais universal será quanto mais pessoal for. Não há nada de necessariamente pejorativo neste narcisismo de dissecação, algo laboratorial, de exploração permanente dos recursos que provêm do simples facto de se existir: será antes um processo mais perturbador para o autor que não se consegue libertar dessa perseguição a si próprio.
Posta esta introdução mais ou menos justificativa de qualquer coisa que eu não teria que justificar, quando um jornalista pergunta vagamente ‘então diga lá porque é que escreve’ ou ‘o que é que a inspirou para escrever este livro’ eu apercebo-me de que não poderia haver forma mais eficaz de me fazer ter um discurso disperso. Não há formas simples de organizar as ideias. Há claramente uma continuidade, uma identificação de um estilo sempre imagético, sempre sensorial, delineador de espaços que só podem existir na palavra. É todo um universo concreto demarcado no irreal, um espaço fixo na entropia. Chegando a esse espaço a minha ideia é decorá-lo com mensagens que aos poucos se tornam mais evidentes. Contudo, essa evidência não pode cair no erro de ser literal e eu sempre fui uma pessoa prudente e por isso prefiro a pouca clareza ao estado apaticamente redutor e desinteressante. Poderei dizer que este livro se desloca para uma tendência discursiva mais controlada. Exemplos disso são as narrativas e as temáticas recorrentes, enfatizando a simbologia da insónia, explícita no título. Li alguns comentários ao livro que referem ‘atualidade’. É atual na medida em que é um livro de afirmações: de género, de geração e até de valores políticos. Analisa o social e o pessoal como campo de ilusão e expectativas e o caos que advém da frustração e a ausência de directrizes éticas para o qual nos transporta um ideal fictício de dinâmica de grupo versus dinâmica individual, onde a imperatividade social e os desejos pessoais se fundem. A forma como se lida com todos os elementos externos que se nos interiorizam até nos deixar numa desordem ideológica constante. Esta é uma geração do caos, a dita era da informação onde a imensa escolha nos leva a questionar o porquê da persistente padronização. Não é um ensaio, não é livro com respostas porque apenas questiona de uma maneira em que não se mostra exterior a todas as problemáticas mas antes cúmplice delas. É uma viagem, é um sonho que se tem acordado quando não se conseguiu sonhar de noite, é um sono extenso do qual só despertamos no último poema.
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