sexta-feira, 8 de julho de 2011

Coisas que se põe ao lixo só para ganhar espaço



Interessante como esta onda de culpabilização das agências de rating até parece desculpabilizar o facto dos portugueses terem votado massivamente em políticas sem nenhuma posição face à postura europeia que até agora nada tem feito contra a vulnerabilidade de alguns países à especulação. O défice português é semelhante ou inferior a outros países da Europa mas não é avaliado com os mesmos critérios, ou é culpada a postura ideológica ou é culpada a perspectiva histórica (já partilhei este artigo quando saiu, mas aqui fica novamente).
A especulação das agências e do mercado em geral é assim praticamente arbitrária, o que é curioso é que já o é há algum tempo agora e, no entanto, é tão conveniente ao governo e seus apoiantes fazerem-se passar por vitimizados pelo estrangeiro de forma a evitar aquilo que é o essencial: a discussão não sobre o que é que uma série de empresas privadas andam a fazer para obter lucros de forma fraudulenta (o que é condenável mas não fundamental para nós neste momento) mas sim fazer pressão política para que uma postura seja tomada face à Europa, iniciativa essa que teria que se iniciar, desde já, pela posição do recém-eleito governo. Contudo, a realidade é que o PSD e a pseudo-coligação CDS, nunca ocultaram a realidade das suas posições e políticas e agora que o contacto com a realidade é mais evidente - meramente devido ao aproveitamento político destes partidos que eleva uma ênfase mediática - é que os portugueses decidem estar muito frustrados em relação a algo que se vem a passar desde 2008 e mais particularmente desde a entrada do FMI no país. Foi o que aconteceu depois de um bode expiatório - Sócrates - ter saído de cena.

Isto apela ao clássico da caricatura portuguesa, a figura do Zé Povinho, definida pelo próprio Bordalo Pinheiro da seguinte forma
"O Zé Povinho olha para um lado e para o outro e... fica como sempre... na mesma. Ele é paciente, crédulo, submisso, humilde, manso, apático, indiferente, abúlico, céptico, desconfiado, descrente e solitário, também não deixa por isso de nos aparecer, em constante contradição consigo mesmo, simultaneamente capaz de se mostrar incrédulo, revoltado, resmungão, insolente, furioso, sensível, compassivo, arisco, activo, solidário, convivente..."

É extraordinária a falta de capacidade de análise aquando da vontade de mudança, ou talvez ela simplesmente não exista na realidade: existe apenas como mera expressão da nossa identidade mais ou menos pré-definida, somos os revoltados preguiçosos, queremos ter com que nos entreter na nossa demanda por uma posição de ruptura mas que acabe por se revelar afinal consensual dentro dos nossos grupos. É este o paradoxo que conduz à mera inércia e que nos deixa, afinal de contas, sempre na mesma.

1 comentário:

bigas disse...

Havia aqui pano para mangas... esta dialética do "fazer aquilo em que se acredita e denunciar o que está errado" versus "resmungar pouco, mas baixinho, até para não levantar ondas e ficar mal visto ao pé dos colegas ao mostrar uma opinião divergente do grupo..."
Nem no anonimato das eleições uma réstia de coragem surge.
Bom artigo, mantém a luta!