“Heart of Darkness” de Joseph
Conrad, publicado em três fases durante o início do século XX, é um livro
razoavelmente curto mas canónico na tradição literária dita ocidental.
Às
multiplas camadas de narrativa junta-se uma linguagem visceral frequentemente
sensorial e que nos descreve um universo pouco colorido, dir-se-ia mesmo um
universo onde a luz é inetivalmente absorvida. Para além das qualidades
literárias intrínsecas da forma, o impetuoso simbolismo da mensagem justifica
esta canonização. Esta jornada a lugares considerados exóticos não ganha proporções
épicas mas antes ilustra o nengrume presente na perceção de Marlow face ao
conhecimento de um mítico reinado instaurado por “Kurtz” um homem “de elevado
gosto e espantosa eloquência”.
Heart of Darkness é baseado numa
jornada do próprio Joseph Conrad ao Congo como comandante marítimo.Em 1878, as
entidades belgas que colonizavam o Congo com pretextos supostamente
filantrópicos para o desenvolvimento rural anunciam a criação de um novo
estado, o Estado Livre do Congo. Na realidade, tudo não passava de um esquema
montado por Leopoldo II para a exploração do marfim. O povo local era
sistematicamente roubado, escravizado e sujeito a trabalho forçado nas minas.
Aqueles que não trabalhassem devidamente eram punidos com amputações de
membros. Centenas de milhares de escravos morriam devido a exaustão, doença ou
fome.
Grande parte do interesse da obra
de Conrad deve-se ao seu enquadramento temporal. Em 1902, o termo “racismo” não
tinha sequer uma conotação pejorativa. No entanto, no seu livro encontramos o narrador Marlow
a refletir várias vezes sobre a possível humanidade presente “naquelas criaturas”:They were not enemies, they were not
criminals, they were nothing earthly now, nothing but black shadows of disease
and starvation, lying confusedly in the greenish gloom. (Conrad
14)
O reino de Kurtz, instaurado sobre
o pretexto de uma suposta civilização dos povos face à presumivel superioridade
europeia torna-se num conto fantasmagórico na qual o conceito de civilização é
invertdo. Perante a ausência de lei, o reinado que Kurtz pensava controlar
estava antes a controlá-lo a ele num ilusionismo febril. Fora do seu estado de princípios,
Kurtz implementa o mais primitivo dos sistemas mas considera-se a ele superior
porque a lei dos homens não se confunde com a lei primitiva da natureza.
Contudo, é do reconhecimento dos ocupantes de que “ali não há leis” e que“podemos
matar se necessário”. A selvajaria é
assim instaurada pelos mensageiros da civilização, por homens brancos de
estados hegemónicos.
Este regresso à selvajaria relembra
outro clássico, o posterior “Lord of the flies” de William Golding. Em ambas as
obras a reflexão sobre civilização e selvajaria demonstra que a assunção de
superioridade cultural e civilizacional é facilmente posta em causa aquando da
ausência de regulações e imperativos externos. A terra de ninguém é assim a terra da lei do mais forte.
A viagem ao coração das trevas é na
realidade uma viagem ao lado mais sombrio do coração humano.
Conrad, Joseph, Heart of Darkness, first published in 1902,
published in Penguin Classics1994
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