segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os homens que odeiam as mulheres / The Girl with the Dragon Tattoo

Tentar conjugar numa só obra um policial com jornalismo de denúncia mais questões de género mais reflexões sobre o estado de bem-estar social dos sistemas nórdicos pode parecer extremamente ambicioso e, ainda assim, soa incrivelmente bem! Soa bem sobretudo porque misturado a isto tudo temos a fabulosa paisagem de um país que é conhecido no estrangeiro por pouco mais de que mobiliário estético fácil de montar e barato (o que já é bastante, quando pensamos nisso!).
E isto é aquilo que faz com que esta saga seja também uma forma de valorização cultural nacional. Sim, porque a arte valoriza um país.

Vou tentar escrever este excerto como se estivesse a tomar uma cerveja e a gesticular numa manifestação de energia juvenil e espírito sonhador: temos uma história brutal sobre um assassinato e essa história decorre na Suécia e a Suécia é super awesome e tem paisagens fixes no Inverno e na Primavera e tem personagens super carismáticas e há grandes empresas que fazem grandes golpes financeiros e jornalistas de grande ética que procuram desenfreadamente a denúncia. Há hackers punks que punem os criminosos pelos seus próprios meios e há toda uma reflexão sobre política, sociedade, organização e caos e isto constitui um conjunto de elementos para algo de extraordinário. Imagine-se um português a escrever uma coisa assim!

Agora, ao escrever este artigo, de que é que posso falar? Dois filmes e um livro. Se toda a densidade da trama e os vários aspetos em foco não forem suficientes, temos ainda que lidar com dicotomias no que diz respeito à perspetiva de Stieg Larsson como basilar e às perspetivas do sueco Niels Arden Oplev e do americano David Fincher.
De facto, é difícil compreender o porquê dos remakes. Isso porque muitas vezes sentimos que o remake hollywoodesco está lá porque houve uma necessidade de adaptação cultural que o público americano tem dificuldade em encarar e isto, de um ponto de vista europeu, soa bastante estúpido. Durante algum tempo pensei que Fincher tinha optado pela adaptação a cinema da saga Millenium porque ela fazia parte de uma agenda mas depois de ver o filme condeno-me por ter alguma vez questionado a consciência da escolha do Fincher.
Na realidade, o tema atrai-o e a perspetiva que ele adota no filme, sob o ponto de vista da Lisbeth, é uma demonstração do envolvimento dele com a obra. Não só a quis apresentar como a quis interpretar. O filme sueco careceu não só de orçamento ou cultura cinematográfica mas também de visão e isso, na minha perspetiva, é o que não falta em Fincher.

A estrutura clássica do policial concentra e converte a maior parte das pessoas. Claro que o espírito detetive do público consegue mais concentração quando as pistas são dadas no formato de livro e daí elas existirem lá em mais abundância, contudo, penso que o Fincher conseguiu abreviar a estrutura de forma a ela ser percetível pelo público. Esta parte convence a maior parte da audiência. Depois há o resto que se apercebe que o filme não é sobre o caso de uma rapariga desaparecida, não de forma tão linear. O grande magnata empresarial conduz Mikael a um embuste quando não tem o que lhe tinha prometido ter para lhe dar e, para além do mais, atenta contra a sua liberdade e aos seus valores ligados à transparência: pede a Mikael que não revele o sadismo de Martin. Este é um aspecto que me parece relevante para o autor.

Vou voltar à questão do ponto de vista, adaptar aquele livro para cinema requeria o eleger das peças que queremos enfatizar e dos temas que queremos realmente explorar. Fincher envereda e diria até que se arrisca bastante quando elege o ponto de vista de Lisbeth. Isso porque opta por explorar em grande parte a problemática do género. Quem me conhece neste ponto deve achar que fico toda contente! O que não é bem verdade. Isto é, fico contente que ele tenha feito opções mas não vejo na saga Millenium a questão do género como a melhor. Claro que o filme é sobre homens que odeiam as mulheres e o desfecho do caso se relaciona com uma hierarquia de misóginos mas há na personagem de Lisbeth um ícone no qual não me revejo porque não a considero completamente feminista.

Aqui, as formas de atribuir poder à mulher são formas essencialmente… masculinas. Isto revela-se em alguma força física fora do comum que Lisbeth possui – a mota, a agilidade corporal, etc. Revela-se ainda mais na perspetiva de Fincher sobre o que é o poder feminino no ato sexual – a forma como Lisbeth utiliza o Mikael procurando apenas o seu próprio prazer ou até o facto de ela surgir inicialmente como lésbica.
Isto para explicar a minha não identificação total com o questionamento do género que foi um tom ligeiramente adotado por Fincher – daí o ênfase numa cena brutal de violação com o devido alívio posterior, o da vingança. A senhora ao meu lado só se ria quando a Lisbeth dizia que ela era louca e torturava o seu violador. Parece que o sadismo é coisa vulgar. Eu não consigo deixar de lado o tom perturbador desta escolha. Mas esse é o meu problema em aceitar uma mera destruição do sistema.

Que ela era louca! É aqui que Fincher ganha muitos pontos em relação ao seu colega sueco. Fincher criou diálogos, apanhou-lhes a essência e encurtou-os. Ainda assim é um filme longo mas imagine-se se quiséssemos transpor as palavras de Larsson como realmente eram. Teve uma resolução criativa para muitos dos problemas – quem é que não adorou o wink wink quando no fim nos trocam a Anita pela Harriet?
Fincher tentou surpreender os mais bem-entendidos no assunto porque ele sabe que os há e optou por esta forma de recriação.

Na minha perspetiva, o caso de investigação torna-se secundário e o facto de Mikael ser um jornalista com ética que procura simplesmente a transparência, sem simpatias ideológicas particulares, que a certo ponto cria empatia pelo Henrik Vanger é um dado bastante importante e mal explicado no filme. Mas, mais uma vez, isto dá-se porque o realizador teve que se debruçar mais sobre Lisbeth e menos sobre Mikael.

É interessante como a personagem de Mikael sempre foi aquela que me cativou mais ao longo da saga.
 A parte introdutória no livro em que se percebe que não é propriamente um homem seduzido pelos grandes patrões nem um sonhador idealista nem um intelectual misógino. É simplesmente ele, respondendo de forma cartesiana aos desafios, sendo metodológico dentro daquilo que considera capaz de ordenar. Evitando frustrações desnecessárias mas não indo contra os seus desejos – livro posteriores da saga exploram mais este aspaço. Mikael é um homem moderno face a problemas também eles de género e é este reverso da medalha que o torna uma personagem tão bem conseguida. Lamento que no filme ele não tenha oportunidade de se expor mais enquanto ser inteligente e interessante que é porque há demasiado a necessidade de ser atraente para Lisbeth para que esta atravesse um processo de maturação que culmina num desgosto.

Para sintetizar a minha apreciação, sou claramente fã da saga Millenium e queria um filme que fizesse jus ao livro, que conseguisse pôr em imagens grande parte dos momentos intensos do livro e o filme sueco foi uma grande desilusão mas, à parte de uma perspetiva inevitável do realizador, Fincher tem um trabalho conseguido. Já há algum tempo que a grande tela não trazia verdadeiros momentos de desconforto e neste filme eles surgem em todo o seu esplendor, num contexto controlado como devem surgir mas, acima de tudo, num contexto extremamente artístico.
Aquela reminiscência de Reservoir Dogs na cena de tortura do Martin é simplesmente deliciosa.
Conseguiu manter o hype elevadíssimo que o famoso trailer lhe criou, captou uma das várias mensagens do livro e transmitiu-a. O elenco está mais que conseguido. Siga para o próximo!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Pensamento

Fui parar à educação não formal de para-quedas. Aliás, fui parar à educação de para-quedas. Quando dei por mim, estava do outro lado da sala. Os papéis invertem-se e o mundo que pensamos conhecer, passa a ser algo de completamente novo. Não é que não seja uma realidade que deixo de encarar como natural, é quando automaticamente nos propomos a fazer aquilo que sempre achámos que deveria ser feito e é aí que surge verdadeiramente o desafio, confrontamo-nos com a condição de preceptor nos mais variados aspetos: éticos, formais, cívicos e, obviamente, pedagógicos. Os jovens professores tendem a seguir os modelos que tiveram. O que é natural. Toda a construção é um conjunto de influências e uma aula é uma construção. Mas não vou entrar por discussões pedagógicas, não é sequer a minha praia, há muito escrito sobre a teoria da pedagogia, andragogia, entre outros. Muitos métodos, muitas técnicas, aquilo que qualquer pessoa aborda quando tira um CAP – mas que infelizmente pouco ou nada tenta em termos de aplicação experimental do que aprende.



Mas muitas vezes senti que o facto de ter ido parar ao ensino sem o ter propriamente planeado foi uma espécie de provocação do destino que me quis pôr à prova, sendo eu uma aluna tão crítica e, por vezes, severa e intolerantemente crítica, foi como se me dissesse “então e agora, na hora da verdade, achas que vais realmente fazer melhor? Vais marcar a diferença?”. A aprendizagem do formador é também uma forma de aprendizagem. Aprender a ensinar passa por uma aprendizagem. Aprendi numa formação de educação não formal que Kolb fala do Experiential Learning. Da experiência concreta passa-se à observação e reflexão, formam-se conceitos abstratos e isso conduz naturalmente ao teste de situações novas. Ensinar passa basicamente por isto. Por uma aprendizagem constante daquilo que é o ensino daquilo que é o método. Acredito que a ética, as formalidades são algo que se vai estabelecendo, mas a forma de chegar aos alunos com eficiência é um processo que de tão complexo se torna um permanente study case. Uma das coisas mais relevantes que aprendi num treino sobre educação não formal foi que o Mentor/Professor/Perceptor/Trainee (como lhe chamam internacionalmente quando se referem a educação não formal) é alguém que terá que conduzir um manancial de condições psicológicas e conseguir lidar com elas. Isto é, o meu perfil – mais concreto, experimental ou então não, mais abstrato e conceptual – terá que ser equilibrado com os inúmeros universos psicológicos que terei à minha frente.



Mas o meu objetivo com este texto é questionar, o que é a formação? O que é a qualificação, o que é conhecimento? Não foi em vão que comecei o texto com a expressão ‘educação não formal’. Em termos teóricos e políticos a educação não-formal é algo que é implementado através de políticas de apoio do estado ou de estados membros, como o caso de projetos apoiados pela União Europeia em secções que preveem um acesso livre ao conhecimento e à experiência multicultural de forma a promover o humanismo e a aproximação das pessoas. Tudo isto munindo as pessoas de saberes e conhecimentos não certificados. É educação não formal. Posso ter aprendido bastante sobre uma determinada área – normalmente humanística, política ou de outro caráter multicultural e social – mas ninguém me dá um diploma que seja academicamente válido. É um pequeno extra num currículo mas não é formalizado. Numa altura em que o debate sobre a Europa está na ordem do dia e em que mais do que nunca Portugal parece vitimizado pela sua pertença a este sistema que está neste momento a colapsar e a desviar-se completamente dos seus objetivos fundadores, estes apoios de privilégio ao multiculturismo, sensação de pertença a um universo global estão à beira da extinção. E porquê? Qual é o valor das ideias no mundo atual? Aceitamos que não passamos de produtores de bens e serviços. “Não são coisas práticas” diz alguém numa conversa de café e dizem muitos políticos à frente destes estados membros. Seria interessante que se conhecesse que foram estes programas em parcerias com os países árabes mediterrâneos com os quais temos parcerias que despoletaram, por exemplo, grande parte da consciência política que levou à primavera árabe na Tunísia. Se isto não é mudar o mundo pelo pensamento, então é o quê?



Acaba por haver esta necessidade de sistematização permanente, institucionalização permanente. Esta época acabou! Estamos na época do acesso facilitado ao conhecimento. Educação não formal? Estou a utilizar uma neste momento. Mais acessível ainda porque é de todo gratuito, é o acesso a uma biblioteca. A educação não formal passa por uma iniciativa coletiva mas também individual. A informação está aí, mais disponível do que nunca. Não deixamos de ser multados por um polícia por alegarmos não conhecer a lei e não podemos no mundo ocidental deixar de ser culpados pela nossa própria ignorância. Se não sabemos foi porque não quisemos saber. A maioria dos problemas sociais na história do mundo, adveio da ignorância.
Em Portugal, há muito esta tendência de sobrevalorizar graus, sobrevalorizar títulos. É como que uma forma de arrumar as coisas em caixas de uma forma simples, que todos possam perceber. Acredito na especialização, na qualificação científica e académica nos moldes clássicos mas acredito, essencialmente, numa incitação à curiosidade, incitação ao espírito crítico, à criatividade e à lógica racional no seu sentido mais filosófico. Sim, no sentido filosófico! Tenho ouvido tantas conversas de gabinete sobre a “pouca importância pragmática de certas disciplinas”. Claro que não vamos desviar cursos a cem porcento os objetivos tecnológicos de uma formação mas o valor das ideias é algo que não advém de nenhuma massificação do ensino. Uma professora numas jornadas de línguas aplicadas em que participei dizia “Ao fim dos vários doutoramentos, percebi que a minha capacidade profissional estava principalmente relacionada com o meu fascínio pelo ballet desde os 6 anos”. O pensamento, a reflexão conduzem-nos para a construção. Somos mais competentes quanto mais racionais, quanto mais conscientes somos da realidade que vivemos, quanto mais enquadramento teórico lhe damos. Não é por acaso que esta Professora que ouvi e tanto admirei numa palestra e com quem não tinha qualquer contacto, tal era o distanciamento que o respeito por ela me provocava, se veio a revelar minha colega de trabalho, meses mais tarde, pelas circunstâncias. Pelas circunstâncias mas há uma consequência natural da incitação ao pensamento, aqui ilustrada desta forma.



Depois há aquelas pessoas que acham que uma pessoa só se preocupa com uma condição social quando é miserável, são os defensores da inveja. Meus caros, não, não é por ter preocupações sociais que isso significa que eu pessoalmente vivo em condições menos privilegiadas dos que as vossas. Se repararem ao longo da história da humanidade e do estudo da sociologia, as principais revoluções sociais advieram dos filhos dos burgueses. Aqueles que tinham acesso ao conhecimento e que não suportavam as ideologias dos pais. Na minha vida pessoal posso estar feliz, na minha vida enquanto cidadã tenho um dever de velar pelo estado do mundo em geral e do meu espaço em particular. É um dever cívico, são os valores da democracia, são os valores do estado de lei que fomos conquistando ao longo de milénios. Isto não é pessimismo.
Depois são estas coisas que me levam a odiar discursos motivacionais baseados em formas ilusórias de perspetivar a realidade e que desprezam visceralmente o meio que os rodeia e chamam isso “ótica otimista” e que depois se revelam esquemas maquiavélicos que se aproveitam da ingenuidade dos arrivistas (coisas como a ACN do Donald Trump, entre outras coisas desse tipo). Não há otimismo nem pessimismo. Há uma avaliação analítica das circunstâncias e uma visão concreta de como podemos contribuir.
Não é preciso ter um grau académico ligado à política, nem às relações internacionais, nem à história nem ao cinema e, no entanto, posso elaborar o meu pensamento, posso expô-lo perante os factos que possuo, as deduções que faço, as ligações que construo, posso dissecar, membro a membro, todos os alicerces que compõe a minha forma de perspetivar o mundo. E isso é algo que nem todos os professores vão transmitir mas é o que vai estruturar a nossa realidade. Posto isto, a educação tem o papel que tem, social, estrutural mas o valor do pensamento e das ideias vale por si só, não requer um prestígio devidamente institucionalizado por um título. E um título sem conteúdos, é precisamente isso, um título, e qualquer cidadão tem todo o direito de pôr em causa o que esse título nos tenta transmitir como verdade única.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A sociedade tornou-me lésbica?

Não é novo que o acesso à cultura desde a antiguidade privilegiou, fomentou e até condicionou esse ingresso essencialmente a um género, o masculino, sendo isso resultante de uma proeminência historicamente comprovada. Era a consequência natural de um estado político-social onde a mulher não tinha os mesmos direitos que os homens e as questões de igualdade não eram sequer abordadas nem questionadas. Não sendo a mulher munida de ferramentas para o pensamento crítico que a ajudassem a refletir a sua condição, seria natural uma assunção por imperatividade social que a fizesse aceitar a sua postura de inferioridade na sociedade, na política, na religião – cargo de elevada importância social para a época - e consequentemente na cultura. Por esse motivo, os cânones literários do passado (pré séc. XX) estão repletos de nomes masculinos. Os tempos mudaram e partes que mais cedo se tornaram progressistas – EUA – tiveram logo no início do séc. XX uma viragem na forma de encarar o pensamento feminino como tão relevante na história do pensamento como qualquer outro, apelando a uma paridade e a uma não discriminação baseada no género. O estado de lei protegeu e incentivou essa igualdade. Contudo, o estado de lei nunca conseguiu interferir por completo na perceção coletiva e social, naquilo a que vulgarmente designamos por ‘mentalidade’. A liberalização sexual dos finais dos anos 60 e 70 americanos tentou quebrar os tabus sexuais inerentes à condição feminina, desafiando códigos tradicionais de pensamento, seguindo os escritos das questões psico-sexuais levantadas primeiramente por conceções Freudianas.

Até aqui tudo parecia estar a correr bem até que um dos maiores twists da forma de hegemonia intelectual sobre as mulheres adveio previsivelmente da exploração do grande capital, exacerbando o conceito de liberalização e utilizando-o de uma forma reversa e perversa. Foi quando as mulheres se começaram a aperceber que a sua liberalização sexual conduziu, inevitavelmente, a uma produção de parques de diversões para homens. Mais do que os media ou o marketing, o sexismo institucionalizou-se nas interações diárias ao ponto do piropo que claramente nos reduz permanentemente a um objeto sexual passar a ser unanimemente aceite como elogio. 2011 foi o ano do Slut Walk, mais uma vez um alerta para as subtilezas sexistas da nossa realidade.


Como consequência, a mulher passou a ter uma forma de opressão intelectual que se passou a basear nos aspetos da relevância daquilo que é. Quando a pressão do status passou a enfatizar o capital em vez do conhecimento e o aspeto em vez do intelecto. Aqui podem dizer que sou tendenciosa, não é como se a sociedade do consumo e da superficialidade não atingisse ambos os sexos, não é como se no fundo tentasse vender tudo através de uma incitação primária da líbido, claro que sim!, mas, no mundo ocidental, este marketing opressivo passou a destacar claramente com mais incidência um sexo do que outro. Os homens têm respostas muito mais pró-ativas em sua defesa. Convenhamos, um homem nu é uma coisa que associamos à comédia, uma mulher nua tem um carater sexual imediato no imaginário coletivo, o que é interessante é que é no imaginário coletivo de ambos os sexos. Chegamos ao debate daquilo que é intrínseco à natureza humano e àquilo que é no fundo social. A esquerda sempre defendeu o social como mais relevante, a direita sempre teve tendência para defender condições pré-determinadas no humano por via genética. Se acreditar mais na primeira hipótese, na qual acredito, será caso para dizer: a sociedade tornou-me lésbica? O mote para este texto surgiu-me a ver o videoclip do LMFAO, o gajo que é sexy e sabe disso.

A pressão visual a que o homem é sujeito – forte, musculado, com roupa reveladora – é facilmente refutado com respostas pró-ativas que o diminuem, o tornam ridículo, o tornam ‘gay’, ou seja, desincentivam-no entre os seus - de uma forma abusiva, é por isso que os filmes realmente viris têm sempre um comentário pouco elegante sobre uma mulher qualquer que for a passar – (no homo dos lonely island! boa sátira que reflete a minha ideia) pôr de fora a ambiguidade homossexual, repulsada entre eles. O problema acaba não por ser o facto de se protegerem, mas o facto de atingirem por danos colaterais toda uma perceção sobre o outro género. Protegem-se e unem-se com medo da opressão a que isso os sujeita. Todo este texto tem, contudo, uma aplicação muito mais concreta e atual ou, pelo menos, é a esse o ponto onde quero chegar. Estudos sobre as mulheres nas tecnologias da informação começam a surgir entre os meandros teóricos da antropologia e da sociologia. Livros como Gender and Information Technology: Moving Beyond Access to Co-Create Global Partnership de Hershey que usa a teoria da transformação cultural de Riane Eisler. Pessoas informadas e sem preconceitos como base tendem a fazer tábua rasa a qualquer preconceção que surge na interação com o outro.

Contudo, a crescente influência cultural americana tem trazido muito do seu hype em formato de classificação estereotipada e sexismo que não estavam na raiz de muitos países que acabam por integrá-la. O universo geek é um universo de essencial predominância masculina, mas seria uma predominância de elite e, logo, teria menos em conta as distinções de opressão de género do que qualquer outro movimento progressista e de vanguardismo tecnológico. Inicialmente, assim o era, contudo a crescente opressão psicológica ligada aos movimentos de exclusão da ameaça do impopular começaram a minar estes últimos panteões do pensamento despreconceituoso. Tirado por miúdos, a cultura douchebag que inicialmente se oponha à cultura geek começou a ganhar terreno. A decadência dos padrões de consumo de séries e de cinema é disso um sinal claro. Como é que é suposto uma mulher conviver bem com séries como Entourage, Nip/tuck, filmes como The Hangover ou – indo mais mais longe – séries como ‘How I met your mother’. E eu sei que o machismo é algo de presente nas mulheres, já expliquei, a sociedade tornou-nos progressivamente em lésbicas, por isso, se acham que as coisas são tão simples como me darem uma lista das pessoas do sexo feminino que conhecem que gostam destas séries, isso a mim não me diz nada. O homossexual que não se assume e vai a terapias para se curar, tem assim uma atitude preconceituosa para com o seu género, a mulher que gosta de assumir com subserviência o seu papel de objeto é uma mulher sexista ,contra o seu género. Se as coisas fossem tão simples como – tenho uma condição, logo tenho que lutar por ela - muitos dos problemas estariam, efetivamente, resolvidos. Se Portugal se tentasse defender mais a si e aos seus interesses teríamos muito menos do que a maioria dos eleitores a votarem em políticas que apenas têm o objetivo de nos colocar numa situação de poder económico gradualmente inferior. E será que é o efeito de espelho que nos vai ajudar a ultrapassar as diferenças? Mais Samanthas de Sex and the city, Casanovas femininos para que o mundo ganhe um natural equilíbrio em que, desapontados com o amor, nos tornamos meros predadores sexuais e ser sociopata deixa de ser uma patologia clínica grave para passar a ser um objetivo? Tudo isto para dizer que se vão ser parolos porque se deixaram dominar por aqueles que vos costumavam sujeitar a uma série de condicionamentos de aceitação em grupos com os quais nunca se identificaram, tudo bem, o ser humano é complexo e deve ter a abertura suficiente para se explorar, se no fundo temos uma vontade inconsciente de recorrer ao conflito. Mas algo que me chateia são revistas, programas de televisão, blogs, websites sobre cultura e tecnologia onde o sexo feminino é permanentemente inferiorizado, relegado para o campo da objetificação.

Chateia-me porque chega a ser tão difícil entrar no boys club que a ostracização tem um caráter essencialmente de género. Eu não posso mudar a minha condição. Os valores humanistas e da amizade deveriam superar essa barreira de misoginia inconsciente que sinto em muitas das minhas interações com grupos de elites intelectuais com as quais contacto - tecnológicas, literárias - e torna-se difícil ver a aceitação generalizada de um meio que inicialmente tinha padrões, para a passagem a um grupo que cede, gradualmente, a valores sexistas dominantes e não só sexistas, ideológicos também, presentes nas ambições gerais ligadas à cultura do capital e o do consumo, ou a apologia do capitalismo em detrimento da cultura e da equidade social foi alguma vez proveniente de meios informados? 

domingo, 8 de janeiro de 2012

Cinema, Sherlock Holmes 2, The Girl with the Dragon Tattoo



2012! Yey! Será que este ano vai fazer com que eu volte a frequentar salas comuns de cinema? Depois de êxitos como o The Hangover parte dois a ter uma adesão massiva por parte das pessoas demonstrando uma profunda decadência dos padrões do consumidor de cinema ou coisas como New Year’s Eve, a única conclusão a tirar era a de que, definitivamente, é preferível ler livros!

Mas sou uma pessoa de fé e sou uma pessoa com um fetiche particular pelo Robert Donwey Jr., o que me fez ir ver a sequela do Sherlock Holmes de Guy Ritchie. Embora sob pré-aviso de que nada da profunda capacidade dedutiva e inteligência do mítico detetive de Conan Doyle iria estar presente mas a fotografia, o elenco, o enquadramento temporal e o facto de ter apreciado o primeiro são motivos suficientes para pagar bilhete já com acréscimo do IVA para 13% e um ecrã nem digital nem numérico na Castello Lopes. Ser aceitável é de facto o limite para que um filme me entretenha sem me irritar ou entediar e pensei que provavelmente a sequela aperfeiçoaria aspetos que no primeiro não foram bem conseguidos.

Contudo, Sherlock Holmes 2 desaponta em praticamente tudo. O Downey Jr. começa o filme a lutar kung-fu e acaba-o disfarçado com o padrão de um sofá, dados algo explicativos do desinteresse do filme. E que o filme toma liberdades em relação à figura do detetive é realmente o mínimo mas no fim do século XIX ainda não se praticava kung-fu em Londres, lamento. É um filme cheio de lacunas e coisas largadas simplesmente ao absurdo em termos de coerência interna da história. 
Depois de dois séculos de policiais qual é a necessidade de fazer uma estrutura de suspense tão fraca, tão incoerente e tão pouco envolvente? Nenhum dos atores conseguiu criar carisma nos seus personagens apesar do tremendo esforço. 

Gostei de ver o trailer do Millenium do David Fincher apesar de questionar a capacidade de colocar em cinema um livro como este, isto porque me questiono se é possível reduzir o interesse da saga Millenium a uma história central principal quando esta se compõe de interesses de detalhe, presente nos livros. Aliás, o trailer do filme, só com a banda sonora e sem diálogo é como se nos fosse contar uma coisa que já conhecemos mas que só queremos ver um pouco mais glorificada de alguma maneira. Fica assim lançado o mote para um 2012 com melhor cinema, mais RDJ e Jude Law – as cenas homoeróticas estavam muito bem - mas mais dinheiro gasto em criatividade e menos em efeitos especiais, por favor! Senão vou ter que condenar o cinema a fãs de Hangover e New Year’s Eve, coisas que apenas me fazem perder a fé na humanidade.