Sara F. Costa no evento de Lijia Zhang
Sara F. Costa na Art Battle
- Onde reside e o
porquê da mudança de Portugal para a China?
Estou a residir em Pequim há cerca de um ano. O meu marido
recebeu uma proposta de trabalho interessante e decidimos mudar. A perspetiva
de voltar a viver na China sempre esteve presente desde que estudei cá durante
um ano de intercâmbio no meu mestrado na Universidade do Minho. Estudei
mandarim e sempre trabalhei com a China a partir de Portugal depois de acabar
os estudos. Contudo, esse ano de estudo ocorreu já há dez anos atrás. Ponderei
a situação e achei que seria uma oportunidade para atualizar o meu conhecimento
sobre a realidade chinesa contemporânea através de uma experiência de trabalho
cá.
- A que profissão
e/ou actividades se dedica?
Sou coordenadora de eventos de um coletivo artístico chamado
Spittoon. Também dou aulas de inglês e português como língua estrangeira e produzo
material didático de inglês para crianças. No entanto, quando me perguntam a
minha profissão gosto simplesmente de dizer que escrevo poesia (risos).
- Esses
trabalhos/projectos estão a desafiá-la de forma diferente relativamente ao que
já fez?
Sim, sem dúvida, sobretudo na Spittoon estou a experienciar
uma forma de trabalho numa estrutura horizontal e que não tem como objetivo o
lucro. É o tipo de trabalho em que me revejo.
- O que é a Spittoon?
A Spittoon é um coletivo composto por artistas e escritores
que pretende estruturar, unir e providenciar uma plataforma para a próspera
comunidade artística e internacional da cidade. O trabalho desenvolvido pela
organização passa por uma publicação online de ficção e poesia em inglês e
chinês (
www.spittooncollective.com),
uma revista literária, eventos de leitura de poesia, leitura de ficção e
eventos de Slam Poetry. Recentemente fundei o primeiro Workshop de Poesia da cidade.
- Tem atividades e eventos regulares e tem eventos pontuais?
Sim, temos um clube de leitura que por vezes traz autores
convidados para falarem do livro que o clube está a ler. Recentemente fiz parte
da organização do modelo internacional da Art Battle, uma competição de pintura
organizada pela primeira vez este ano em Pequim. Organizamos ainda pontualmente
um evento chamado “Spittunes” muito apreciado pela comunidade porque junta
músicos com poetas que elaboram trabalhos originais e depois dão concertos em
Pequim e noutros locais da China. Enfim, muita coisa e tudo muito interessante!
Há sempre novas ideias que surgem do contacto entre os artistas. A Spittoon foi
fundada há quatro anos pelo poeta britânico Matthew Byrne que já tinha
experiência na criação de comunidades artísticas em Manchester, onde estudou
escrita criativa. O modelo em Pequim está a funcionar particularmente bem
porque a cena alternativa artística em Pequim está simplesmente a crescer
exponencialmente.
- Está plenamente
integrada? Há diferenças na sociedade chinesa, relativamente ao tempo que
estudou no país?
Os primeiros tempos em Pequim foram difíceis porque há muita
coisa para assimilar. Tenho a vantagem de falar e ler mandarim, o que facilita
imenso, mas mesmo tendo essa capacidade há outras dimensões da vivência numa
cidade como Pequim que ultrapassam em muito a mera barreira linguística. A
questão tecnológica é fulcral. Não sei se existe outro sítio no mundo tão
digitalizado como a China neste momento. Há qualquer coisa de futurista e
ligeiramente distópico aqui. As mais banais tarefas do dia-a-dia passam por um
smartphone. Só para dar um exemplo, o uso de dinheiro em espécie é uma coisa
antiquada. Existem várias carteiras digitais (wallets) que são utilizadas para
qualquer transação, seja pagar, receber ou transferir dinheiro entre pessoas.
Houve uma orientação central do governo para que todo e qualquer tipo de
serviço aceitasse este pagamento e agora já não precisamos de andar com uma
carteira, basta levar o telemóvel.
- Que projectos tem
para os tempos mais próximos e mesmo para o médio prazo?
Os próximos projetos vão ser a organização de workshops de
escrita criativa que encerrará com um retiro de escritores num templo taoista.
- E a sua carreira
literária? Está a escrever um novo livro?
Tenho escrito diariamente e tenho-o feito em inglês, o que é
novo para mim. Estou a preparar um trabalho de tradução de poesia chinesa
contemporânea para português e, eventualmente, uma publicação da minha poesia
em inglês.
A minha poesia tem sido traduzida em várias línguas. Por
exemplo, tenho vários poemas que já foram traduzidos para espanhol e pulicados
tanto em publicações em Espanha como no México. Até já encontrei poemas meus
traduzidos em húngaro. Em breve farei parte de uma antologia de poetas
portugueses a ser publicada na Roménia e noutra a ser publicada em Macau, ambas
organizadas pelo poeta António M R Martins. Também tenho por cá publicado
poesia em inglês na revista literária “A Shanghai Poetry Zine”.
- Que balanço faz
desse trajecto criativo, que – segundo me parece – já leva mais de uma década?
Os melhores momentos, os mais difíceis, o processo criativo e como evoluiu (se
é que evolui) …
Eu penso que tem sido um trajeto muito estável e
consistente. Não posso deixar de mencionar que quando entrei no mundo do
trabalho me deparei com situações difíceis devido à escassez da empregabilidade
e à própria experiência de trabalho em si que nem sempre é muito gratificante
nas situações sucessivamente precárias em que estive. Orgulho-me de todos os
projetos que levei a cabo a nível profissional, mas o percurso nem sempre foi
fácil e nesses momentos foi quando a minha produção literária deixou de
existir. A partir do momento em que existe conforto e estabilidade no trabalho,
torna-se muito mais fácil conseguir dedicar-me ao meu trabalho artístico e
neste momento sinto que estou numa altura de grande energia criativa.
- Creio que tem
estado ligada a projectos culturais em Macau. A cidade/território é sempre
apontada como a grande ponte entre Portugal e China. Como vê esta questão e
como caracteriza a cidade, nomeadamente do ponto de vista cultural?
Em 2012 participei numa conferência do Fórum de Macau sobre
o ensino de português como língua estrangeira, fiz parte da organização do
Festival Literário de Macau de 2018 e fiz algumas apresentações académicas na
Universidade de Macau. Acho que Macau e as suas instituições de ensino
desempenham um papel muito importante no contacto cultural entre a China e a
lusofonia. Macau é, sem dúvida, uma plataforma de contacto entre realidades que
acaba por produzir a sua própria realidade: multiétnica, multicultural,
multilinguística e com imenso potencial para desenvolver ainda mais plataformas
de comunicação entre a lusofonia e a China.
- Como lê o nosso
país à distância? Está atenta às questões políticas, sociais, culturais…?
Sim, claro, estou sempre atenta ao que se passa em Portugal,
gosto de me submeter constantemente a processos de aculturação, mas, honestamente,
tenho muito orgulho no nosso país. Portugal tem uma história democrática
relativamente recente por isso é natural que seja um país em constante evolução
na consolidação dos seus valores democráticos que passam também pela
consolidação do seu estado de direito. Nos últimos tempos, do que me é possível
observar, acredito que a sociedade portuguesa está gradualmente mais
progressista e se estão a levantar debates de extrema importância – como a
integração de minorias étnicas ou as questões de género. Não digo que o estado
de coisas me satisfaça ainda mas tenho esperança e acredito que as coisas estão
a evoluir. Política e economicamente, estamos há muitos anos condicionados por
forças externas e sistemas globais vigentes que afetam Portugal de uma maneira
negativa. São os jogos internacionais de poder que infelizmente não permitem o
país evoluir para uma situação económica mais estável. A situação económica do
país afeta também a cultura mas o que é possível perceber, globalmente, é que
Portugal é uma país profícuo na produção cultural e artística, com imensa gente
com um talento enorme, por vezes, por descobrir.
- Como é que o nosso
país é visto/percepcionado por aí?
Ronaldo e Figo (risos). Fico surpreendida com o interesse
dos chineses por futebol, começa a ser realmente popular. Ao nível da população
chinesa em geral, Portugal é percecionado como um país pequeno ao lado de
Espanha, normalmente não têm uma ideia muito definida. Do ponto de vista das
ações políticas, acredito que Xi Jinping e o PCC sabem muitíssimo sobre
Portugal e como estabelecer cooperações diplomáticas e económicas com Portugal.
Penso que para o governo chinês, Portugal é percecionado como uma plataforma
dual que possibilita uma entrada na Europa enquanto também é útil para o
estabelecimento das relações entre a China e outros países de expressão
portuguesa.
Sara F. Costa a vender revistas da Spittoon Literary Magazine
Sara F. Costa cria o primeiro Workshop de Poesia de Pequim
Sara F. Costa cria o primeiro Workshop de Poesia de Pequim