terça-feira, 17 de maio de 2011

Rir de desespero


Vivemos numa sociedade que raramente nos dá espaço. Ou seja, que raramente se esforça por abranger uma faixa etária jovem em qualquer tipo de representação mediática. Estatisticamente será normal, se temos uma população envelhecida, esse público-alvo representará mais share, logo, esse público-alvo será mais procurado. Não é mais do que a lógica de mercado. Agravante é ainda a alternativa da televisão por cabo e da internet como opções aos canais generalistas. Portanto, é normal que ligue a televisão de manhã e seja bombardeada por noções sensacionalistas ultra-conservadoras e saudosistas de direita que me levantem os pêlos da nuca de tão sinistros que são os valores ali representados. Contudo, pensar em variar mais a qualidade do serviço não seria uma estratégia assim tão arrojada como pode aparentar. Senão vejamos, a classe etária jovem está desesperada por rir. É verdade! É curioso verificar que os mais velhos não compreendem fenómenos como pôr o gel e o Falâncio na final de um festival da canção.




 Dos que ouvi falar tentaram justificar a escolha seguindo uma lógica elitista de que “só as pessoas incultas e o povinho votaram naquilo”. Mas o fenómeno é bem mais complexo do que isso. Foi muito mais a irreverência e a subversão que meteram os humoristas lá do que propriamente a parolice e a ignorância. Foram muito mais as pessoas que apreciam o humor do absurdo do que as que viram nos comediantes verdadeiros revolucionários abrilistas. É isto que essas pessoas têm que compreender. No fundo, os jovens estão só à procura do seu espaço e o seu sentido de humor é muito mais virado para o culto da incongruência do que conscientemente contestatário de um qualquer sistema político vigente. Foi isto que deu a fama ao fenómeno “gato fedorento” prendendo toda uma geração de apreciadores de humor ao humor Monty Python. Ora, quando se fala em Monty Python estamos a falar dos anos 70. Eu suponho que desde então já se pudesse evoluir para outra coisa. O gosto pelo absurdo? Bom, então posso referir o movimento dadaísta de 1915? O dadaísmo focalizava-se essencialmente no nosso tão pós-moderno termo de “non-sense”… que então, vistas bem as coisas, nem é assim tão moderno. Ou seja, o que eu quero dizer é que não há motivos para se viver realmente um conflito geracional e é uma pena que, mesmo assim, esse conflito esteja mais que presente. De que outros fenómenos podemos falar? Até uma coisa com um nível de qualidade medíocre como o “último a sair” está a provocar um hype tremendo entre os mais jovens . Estamos, claramente, desesperados por rir. Queremos rir à força toda e na nossa própria língua. Foi assim que surgiu o fenómeno tremendo que foram os gato fedorento.




O que é curioso é ver o programa francamente insultuoso e profundamente deprimente que estes 4 humoristas outrora de vanguarda andam a fazer no canal do meo, o “fora da box”. Basicamente, são sketches antigos mas que incluem coisas como “Rede 100% fibra óptica”, “velocidade garantida” e “melhor qualidade de imagem e som” com um enorme “production value 100% maior-gigante-neoliberal-de-telecomunicações” e com textos humorísticos sofríveis, a roçar o infantil e com uma originalidade a zero cujo único propósito é o publicitário.
Francamente, o Bruno Nogueira é a única pessoa engraçada daquele programa da RTP – e eu até sou fã da maior parte do trabalho do Miguel Guilherme (lembram-se do fintas e fintas?), mas, sinceramente, ele podia fazer tão melhor.
E o novo programa do Gato Fedorento é de se atirar de um 12º andar mas em alta definição, porque, sinceramente, não poderia ser mais irrisório, já os estou a imaginar a planear o programa:
- Ora vamos lá então fazer o sketch do primo tozé do campo mas incluir os termos “mais de 70 canais” e “fibra óptica” no meio do diálogo em que ele fala das coives e das ovelhas.

Ou outro assim:

- HD?
- Qual HD?
- HD?
- Qual HD?
- HD?
- Qual HD?
- HD?
- Qual HD?
- HD?
- Qual HD?
- HD?
- Qual HD?
- Ahhhhhhhh! Mas qual HD?

A sério, não somos assim tão estúpidos. Merecemos melhor. Depois queixem-se que falamos inglês. É que eles (pessoal de países de língua inglesa) fazem coisas engraçadas. Mas engraçadas mesmo, daquelas mesmo de rir.

domingo, 8 de maio de 2011

MGMT, Queima das Fitas e espírito académico




A queima do Porto tem vindo a fazer um esforço para se destacar de outro tipo de festas académicas. No ano passado com Crystal Castles e Franz Ferdinand e este ano com MGMT. Já está a adquirir o estatuto de “queima indie” e com mérito. O ano passado aprendi a lição ao chegar em cima da hora para o concerto de Franz Ferdinad e ao ter que ficar lá atrás de tudo. Então este ano decidi ir bastante cedo e ver o recinto do queimódromo a abrir as portas – coisa a que nunca tinha assistido na vida. Vale a pena! Quando se é fã e se vai pela banda porque tive a oportunidade de ficar logo entre a primeira e a segunda fila em frente ao palco com toda a qualidade de visualização que isso envolve. 




Então, sendo este um concerto que eu queria muito ver, fiquei algo apreensiva por ser numa queima na medida em que já se sabe que nas queimas se encontra todo o tipo de pessoas (de pessoas estudantes mas ainda assim pessoas – e não, eu não acho que por sermos todos estudantes somos todos iguais…) e assim foi confirmado. Á porta do recinto faziam fila emos, gente do metal e até algumas miudinhas e miuditos já bêbados ainda mal o recinto tinha aberto. Portanto, foi logo de se andar para ali a contornar vómitos. Interessante de se verificar que algumas pessoas confundem música emo com música indie, era só reparar nos miúdos com o cabelinho escorrido, parcialmente pintado e com t-shirts dos “paramore”. Sou uma pessoa calorosa e comunicativa, como qualquer nortenho que se preze e não sou o tipo de pessoa de estar a olhar para toda a gente à minha volta com um ar snob (vamos deixar isso para pessoal que fala português catedrático) mas não haveria outra forma de transmitir a minha experiência.
Adiante, lá fiquei a fazer tempo a ver os X-wife à espera dos MGMT. Não conhecia x-wife. Achei piada a uma ou outra característica pós-punk da banda e do ritmo mas achei as músicas no geral algo entediantes. Voltam os roadies e finalmente os MGMT entram em palco.


Como estava muito próxima do palco consegui captar todas as expressões dos músicos. Abrem com a The Youth. The youth!! Abrir um concerto numa queima com the youth!!! Bem… que escândalo! Pensei que eles se iam adaptar ao espírito quim-barreirista vigente e fazer uma coisa com mais consciência de que aquilo é um festival para estudantes com uma propensão para a cirrose acima do que deveria ser permitido. Mas não! Estavam-se a borrifar! Era ouvir os metalheads “mas a gente vai fazer moche, não?” e uma miúda com uma cartola azul a dizer “então se em Quim Barreiros fizemos moche porque é que não havemos de fazer em gê éme tê?” Ahhh! Moche em MGMT? Mas que tipo de acéfalos ignorantes querem fazer moche em MGMT?
Vamos lá a ver, não é porque são estudantes que têm que ir a todos os dias da queima e, sobretudo, não têm que vir ver os concertos. Se ouvem a “of moons, birds & monsters” em casa e aquilo vos soa bizarro, estranho e incompreensível, deixem-me dar-vos uma dica: não apareçam no concerto! Vão embebedar-se ao som de Shakira para a barraquinha mais próxima. É este o grande problema de se querer algum vanguardismo, é que a própria organização ultrapassa a clientela comum.


Mas claramente, o Andrew VanWyngarden sabia o que estava a fazer. A introspectiva e profunda youth como música de abertura foi entoada com uma falta de comunicação terrível. Excessiva até. Entraram na defensiva e nem sequer deram à audiência o benefício da dúvida.
Primeiro que o vocalista lançasse um olhar para a plateia foi preciso terem passado já umas quatro ou cinco músicas. Alguém lhes deve ter dito que éramos todos fãs do Quim Barreiros, só pode! Aproveitando a ocasião para os deixar a par de todo o tipo de metáforas e alegorias sexuais que se podem fazer com a comida e explicando que bacalhau é um prato típico muito bom que deveriam provar. Bom, enfim, eu estou a dar um cenário muito negro da audiência. O que não é justo porque claramente havia muitos fãs. Havia muita gente que só tinha ouvido a “Kids” mas havia muita gente, pelo menos à minha beira, nas primeiras filas, que conhecia muito bem o trabalho da banda. Havia muitas raparigas – coisa que em Franz Ferdinand o ano passado não era tão visível – eu estou sempre muito atenta às questões de género, como se sabe.
O que é certo é que achei este concerto delicioso precisamente por causa de ser anti-festivo, anti-académico e por conseguir reunir toda a gente que se sente como eu, ou seja, a audiência deste concerto é a melhor representação estudantil que eu poderia ter. Mas se formos à essência da questão, é normal que assim o seja. Estamos a convidar bandas de uma tremenda originalidade quando o espírito académico se define pela condensação da originalidade, pela uniformização, pelo consumo das individualidades tornando-nos a todos mais do mesmo, jovens com trajes que gostam de perpetuar “tradições”… só que bêbados, o que torna tudo muito mais irreverente! Não, mas francamente, o espírito académico não precisa de ser isso (agora ocorreu-me um slogan do PSD, mas vou já benzer-me para me expurgar) e é a trazer o espírito de “the youth”, “the handshake” e da “electric feel” que podemos demonstrar uma alternativa.




Os artistas perceberam que até não éramos assim tão ignaros quando no encore os chamámos a gritar pelo nome da banda e a entoar partes das músicas e foi assim que roubámos uns sorrisos adoráveis ao teclista e ao vocalista – ok, os sorrisos já tinham surgido na Kids quando se aperceberam que, pelo menos, toda a gente sabia cantar aquela. Estão a ver, os portugueses até são boa gente e nem todos são parolos! Pessoas falaram da sua convivência com os artistas depois do concerto em barraquinhas do recinto. Só as posso invejar porque a mim o dever chamava-me no dia seguinte – já não estou na fase do estudo, para que conste. De qualquer forma, achei uma noite fabulosa. O som podia ser melhor, o pessoal do moche poderia ter ficado quietinho que tinha feito melhor figura e os artistas escusavam de estar tanto na defensiva mas deste espírito académico que envolve partilhar o prazer de ver um bom concerto de uma banda de qualidade eu posso dizer que é um espírito no qual eu me revejo.