quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Inícios de livros marcantes


"It was a bright cold day in April, and the clocks were striking thirteen." 1984, George Orwell

"Sou um homem doente... Sou um homem malévolo. Sou um homem repugnante. Acredito que o meu fígado tem uma doença. No entanto, nada sei sobre a minha doença, nem sei ao certo aquilo que me molesta. Não consultei nenhum médico por causa disso, nunca o fiz, embora respeite a medicina e os médicos." Cadernos do Subterrâneo, Fiodor Dostoievsky

"He—for there could be no doubt of his sex, though the fashion of the time did something to disguise it—was in the act of slicing at the head of a Moor which swung from the rafters." Orlando, Virgina Woolf

"O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma dor que não remite..."O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago

"We were somewhere around Barstow on the edge of the desert when the drugs began to take hold. I remember saying something like 'I feel a bit lightheaded; maybe you should drive . . .' And suddenly there was a terrible roar all around us and the sky was full of what looked like huge bats, all swooping and screeching and diving around the car, which was going about a hundred miles an hour with the top down to Las Vegas. And a voice was screaming, 'Holy Jesus! What are these goddamn animals?'" Fear and loathing in Las Vegas, Hunter S. Thompson

"Yes, Sir. Certainly, it was I who found the body. This morning, as usual, I went to cut my daily quota of cedars, when I found the body in a grove in a hollow in the mountains." Rashomon - Ryūnosuke Akutagawa

E, claro, como não poderia deixar de ser...
"Quando Gregor Samsa despertou numa manhã na sua cama de sonhos inquietos, viu-se metamorfoseado num monstruoso insecto " A Metamorfose, Franz Kafka

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O Conflito, Chomsky e 5 para a Meia Noite



Estava há pouco a ler o PDF disponibilizado no blog da LER com a entrevista de Carlos Vaz Marques a António Barreto, cientista social, cronista e figura política do nosso país – pelo menos até ao momento, já que por pouco não se naturalizava suíço. António Barreto fala com sabedoria da obsessão doentia pela imagem e da falta de silêncio para o pensamento num mundo onde tudo se quer instantâneo. Mas atentemos ao título chamativo «O Magalhães é o maior assassino da leitura em Portugal.» Não consigo evitar a voz interior que sugere “cá vamos nós outra vez”. Um rol de males que andam por aí a assombrar a juventude: as internetes, a tecnologia, o digital. Ocorreu-me o Miguel de Sousa Tavares a considerar o facebook o maior mal do século XXI no “cinco para a Meia Noite” do outro dia.
São considerações sobre os males da geração que nunca está correcta sobretudo quando é nova porque uma vez que é nova, isso significa que não é aquela que se considera como a de pertença porque pertencer é ser parte e é-se sempre mais correcto quando se é parte. A nova tem que criar necessariamente contrastes. É normal! Chama-se “conflito geracional” e não tem nada de pomposo. Aliás, é saudável! O conflito geracional é uma marca de dinamismo e expansão. A maior parte dos conflitos são saudáveis e então os geracionais é que o são realmente e quase não existem em Portugal. Quase não existem linguisticamente – que avó é que não sabe o que significa “fixe” e “bué”? Enquanto há realidades linguísticas em que o calão juvenil constitui por si só uma linguagem independente onde jovens e terceira idade não se entendem por um abismo de vocabulário – Inglaterra, França - essa sim é uma expressão bem mais imediata do conflito, a manifestação patente nas próprias palavras. Não estou a dizer que assim o deve ser, estou só a constatar. Muitos conceitos são ocos, muitas expressões são desagradáveis, mas na realidade o que ocorre é a transfiguração necessária e natural da linguagem que acompanha a transfiguração do mundo. Então eu disse que a voz interior me dizia “Cá vamos nós outra vez” mas isso é mentira, o que me veio realmente à cabeça foi “here we go again”. Veio assim, tal e qual. Então tive um pensamento em inglês para comigo mesma? Mas o inglês é a minha língua materna? Não. Nós pensamos em língua estrangeira? Sim, quando estamos a estabelecer um processo de comunicação nessa língua. Mas eu estou a estabelecer algum processo de comunicação quando penso comigo mesma? Não. What the hell is going on? Chomsky defendia que todos nós nascemos com uma “gramática universal”, ou seja, temos à priori uma disponibilidade biológica para preencher o nosso entendimento do universo com uma única língua. Toda a aquisição linguística posterior é, para Chomsky, uma aprendizagem que se edifica em redor da língua nativa, ou seja, uma permanente tradução. Mas será que a gramática universal não está realmente disponível para uma segunda língua quando não há a intervenção da interlíngua? Isto é, quando sinto necessidade de manifestar uma reacção a um estímulo onde a minha relação com a minha língua nativa já não me parece suficiente ou até mesmo quando adquiro formas de percepcionar a realidade com uma codificação nova que antes não era característica da minha experiência social? Bem, há aqui tópico para muita discussão, percepções socioculturais sobre a própria língua, o maior ou menor imperialismo cultural das nações, etc etc. Mas para não parecer que este texto não tem objectivo nenhum, é melhor focalizar-me: eu não encontro na minha realidade social o conflito suficiente e isso faz com os meus sistemas psíquicos recorram a uma abordagem estrangeira perante uma manifestação do mais biologicamente humano que pode haver: um pensamento. Isto explica a necessidade do inglês como afirmação de uma cultura jovem que em Portugal está esmagada entre a Praça da Alegria e as tunas universitárias.Mais conflito, obrigada. Mas deixem a internet em paz que as leituras online fazem-me imensa falta.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pedro Mexia, Misoginia e Mamas



É tão engraçada esta ideia de que certos intelectuais e sensíveis poetas podem escrever e cogitar sobre tudo o que consideram de mais sublime e elevado do pensamento humano nos seus blogs e depois escrever posts nos quais elogiam preciosidades da ficção nacional como Morangos com Açucar cuja qualidade intrínseca da representação se equipara a bosta de cavalo só pelo simples facto de essas preciosidades serem mulheres e terem mamas e rabos riginhos e, claro, tirarem a roupa para qualquer fotografo. Não as censuro a elas (são actrizes de merda, têm que se vender de alguma maneira e usam o que têm ou o que arranjaram), mas censuro esta tentativa de tornar o comentário de trolha em algo aceite no meio intelectual. Sim, porque em vez de “és mesmo boa, tens aí umas mamocas bem jeitosas” eles ainda tentam dizer coisas como as deste exemplo do Pedro Mexia no seu novo blog "A Lei Seca" “Cláudia é a mulher true blue, que desarma pela simplicidade e ausência de pretensão." ou ""Aquele binómio cintura/glúteos está a ser estudado por Peter Zumthor para uma severa conferência em Basileia. "  Epá, o que tu queres dizer é que a papavas toda, já se percebeu a ideia… Eu gostaria de saber em que parte da sua imensa lucidez intelectual enquadra a perpetuação do modelo machista da mulher como um objecto sexual que se reduz ao seu físico e que, portanto, deve estar sujeita a tais apreciações enquanto um homem não tem necessariamente que atravessar qualquer processo ou corresponder a quaisquer critérios físicos até porque os homens estão ocupados a produzir algo de extremamente intelectual e engraçado e podem ficar gordos como pipos à vontade se isso os ajuda a escrever poemas melhores. Eu até acho que cada vez menos existem este tipo de blogs que volta e meia entre uma citação de Jorge Luis Borges e uma apreciação de um filme de Andrei Tarkovski colocam umas fotos da FHM, mas este Pedro Mexia quer mesmo ver se ninguém se esquece de ser parolo de uma maneira fina.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Pai Natal from hell

Ainda que para muitas pessoas o Natal seja uma altura de ir à missa com regularidade (missa das 7h da véspera de Natal, missa do galo, missa da manhã de 25) há outras pessoas que aproveitam o tempo de férias para ficar em casa a ver filmes parvos. E nessa linha de ideias fica a minha apreciação a filmes natalícios – e não, não é um Sozinho em Casa - é mais tentar encontrar os filmes que tiveram a genial ideia de substituir o Santa Claus por um assustador e brutal assassino.

Tipo Gremlins, aquele filme que sai no Natal e que se vai ver em família para se descobrir que a coisinha fofa e peluda se tornou num incendiário pronto a arrancar a cabeça ao ser mais próximo. Parecendo que não, há muita coisa a explorar dentro desta temática de filmes de terror low-budget que decidiram revoltar-se contra a alegria geral da época das prendas e dos doces. Filmes como You better watch out de 1980 que mostra que o trauma de infância de descobrir que o Pai Natal não existe pode ter muitas consequências. Uma delas é tentar determinar pelas próprias mãos quem é ou não um menino bem comportado e acabar por matar violentamente os que não o forem, envergando as vestes de Santa Claus. Outro exemplo é Black Christmas de 1974 que conta a história de um assassino que anda por Montreal a matar pessoas à toa durante a altura do Natal, anunciando-se com chamadas telefónicas obscenas. É considerado o primeiro filme realmente slasher antes do primeiro Halloween de John Carpenter.

To All A Good Night também de 1980 é um filme que prova que a praxe é uma coisa má, como eu sempre defendi! Isto porque uma jovem morta durante um ritual de iniciação acaba por se tornar num espírito assassino sob a forma de Pai Natal que acaba por estragar uma festa de adolescentes. Esta ideia de Pai Natal assassino está também presente em Don’t Open ‘Till Christmas, british exploitation ao seu mais alto nível de estupidez, com gajas nuas que é uma coisa que interessa.. a homens… ou fufas, e portanto uma boa dose de sexismo e representações extremamente manhosas à mistura. Passando para os anos 90, para quem está dentro da cena de cinema de série B canadiano e conhece a Debbie Rochon de certeza que conhece o Santa Claws, o filme no qual o protagonista depois de matar a mulher e o amante que vestia um capuz de Pai Natal quando os encontrou a ter sexo, tornou-se ele próprio o assassíno-Pai Natal obcecado por uma actriz de filmes de terror.

O Silent Night, Deadly Night de 1974 é também um bom exemplo de filme de terror xunga mas só que já tem pouco ou nada a ver com o tema (apesar do título a isso levar). O Jack Frost (de Michael Coony, não o da Disney!!!) um entertaining flick hilariante onde um assassino é morto e o seu corpo juntamente com um ácido (!) fazem com que ele ressurja em forma de homem da neve assassino. O filme tem algumas linhas de diálogo de morrer a rir.
E assim ficam algumas sugestões para arruinar com o espírito amoroso da quadra. Eu quero lembrar os meus leitores que eu não sou efectivamente uma pessoa com disfunções mentais que coloca versos de Álvaro de Campos em balões de manga super-kawaii e links cor-de-rosa só para disfarçar o seu amor verdadeiro por gore B grade! Lol Ou será que...?

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Have a happy retro, vintage and victorian Christmas ! :D







Sim, porque se não fosse a rainha Vitoria e o Charles Dickens não havia Natal para ninguém! ^_^;

Os cus de Judas - ALA

Agora que a LeYa publicou uma edição de bolso de Os Cus de Judas de António Lobo Antunes, não há motivos para não ler esta obra de arte soberba da literatura portuguesa e universal. Deixo aqui um excerto e recomendo como prenda de natal económica! Ah... e outro dia vi na estão da Campanhã que a os livros de bolso da Leya estão a ser vendidos em máquinas automáticas... até já parecemos um país desenvolvido! :D Parece que os livros desta colecção serão lançados 3 vezes por ano: em Janeiro, Maio e Setembro... portanto, a ver o que vai calhar em termos de edição já para o próximo mês.




«Às quatro horas da manhã os espelhos são ainda suficientemente misericordiosos ou opacos para nos não devolverem o rosto amarrotado e encolhido das noites sem sono, que os olhos baços animam de desânimo pisco: o excesso de luz do aeroporto impedia-me de me confrontar nos vidros com a minha silhueta hesitante, inclinada como uma cana de pesca para o peixe gordo da mala, com a gravata que as muitas horas de avião haviam decerto desviado da bissectriz dos colarinhos, transformando-a num trapo mole como os relógios de Dali, com as rugas que se acumulavam em torno das pálpebras, à maneira dos vincos concêntricos de areia nos jardins japoneses; entre o homem que voltava sózinho da guerra à sua cidade e caminhava através de cachos de estrangeiros indiferentes, e nós que nos dirigimos para a saída do bar ao longo de um corredor de nucas e perfis cuja monótona diversidade os aproxima dos manequins da Baixa, petrificados em acenos imóveis de uma utilidade patética, há apenas a diferença insignificante de alguns mortos na picada, cadáveres que você não conheceu, as nucas e os perfis nunca viram, os estrangeiros do aeroporto ignoravam, e que, portanto, são inexistentes, inexistentes, percebe?, inexistentes, inexistentes como a sua ternura por mim, esse rápido sorriso sem afecto que quase não chega a nascer, a mão quieta que aceita com indiferença os meus dedos, a coxa inerte que a minha coxa ansiosamente prime. O seu corpo escapa-se-me como os membros se nos escapam com o sexto drunfo, independentemente de nós, flutuando gestos de polvo a que falta o arame de ossos, e por dentro da sua cabeça giram pensamentos indecifráveis de que me sinto expulso, condenado a permanecer, de pé e à espera, no capacho da entrada dos seus soslaios irónicos, à maneira, sabe como é, de uma lata de conservas de que não se tem a chave. Lembra-se dos pescadores de fim-de-semana da Muralha da Marginal, a estenderem toda a noite para o rio o anzolzinho obstinado e feliz? Pois bem, se você pousasse devagar a cabeça no meu ombro, se a sua anca friccionasse a minha até saltar, do encontro de ambas, a chama de sílex de uma erecção contente, se as suas pestanas humedecessem de súbito, ao fitarem-me, de consentimento e abandono, poderíamos talvez achar em nós o mesmo subterrâneo júbilo que a pele contém a custo, o mesmo denso prazer de expectativa e esperança, a mesma alegria que se alimenta de si própria como a manhã devora, nas suas pregas claras, o cintilante coração do dia. Poderíamos envelhecer perto um do outro e da televisão da sala, com a qual constituiríamos os vértices de um triângulo equilátero doméstico protegido pela sombra tutelar do abat-jour de folhas e de uma natureza morta de perdizes e maçãs, melancólica como o sorriso de um cego, e encontrar na garrafa de Drambuie do aparador um antídoto açucarado contra a conformação do reumático. Poderíamos friccionar-nos mutuamente os bicos de papagaio com bálsamo Menopausol, pingar em uníssono, no termo das refeições, as mesmas gotas para a tensão, e aos domingos, depois do cinema, graças ao último beijo do filme indiano do Avis, unirmo-nos em abraços espasmódicos de recém-nascidos, a soprar pelas dentaduras postiças bronquites aflitas de chaleira. E eu, deitado de costas no colchão ortopédico reduzido a uma tábua dura de faquir a fim de prevenir as guinadas da ciática, lembrar-me-ía do jovem saudável e ardente que há muitos anos fui, capaz de repetir sem azia o frango na púcara, para quem o horizonte do futuro não era limitado pela cordilheira dos Andes de um electrocardiograma ameaçador, a regressar da guerra de África para conhecer a filha, numa dessas madrugadas de Novembro tristes como a chuva num pátio de colégio, durante a lição de Matemática.»

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Melhores edições 2009


2009 foi um ano de muitas edições interessantes em PT, tanto de originais como de traduções de livros que já deviam ter sido traduzidos há mais tempo. Deixo aqui alguns bons exemplos... e os vencedores são:

2666 - Roberto Bolaño
O Mar em Casablanca - Francisco José Viegas
Caim - José Saramago
Escalpe - Amadeu Baptista
A Sul da Fronteira, A Oeste do Sol - Haruki Murakami
Um grito de amor desde o centro do mundo - Kyoichi Katayama
Mil Grous - Yasunari Kawabata
A Hora do Lobo - Jiang Rong
Nocturnos - Kazuo Ishiguro
A Morte de Bunny Munro - Nick Cave
A Montanha Mágica - Thomas Mann
A Fábula - William Faulkner
Invisível - Paul Auster
A Terra das Ameixas Verdes - Herta Müller
Diário de luto - Rolland Barthes
Grimus - Salman Rushdie

E há ainda muita coisa que foi editada este ano com a qual não tive contacto mas que merece atenção...sugestões são bem-vindas!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

District 9

O Nostalgia Critic é o melhor amigo do AVGN (se não souberem quem ele é, tenham vergonha) e ele consegue dar expressão a pensamentos tão profundos como os desta review do filme District 9